Em maio de 1701, quem percorresse as
margens do rio Tâmisa, em Londres, depararia com um espetáculo macabro:
cadáveres pendurados em estacas balançando com o movimento das águas. Eram
corpos de piratas que tinham sido condenados a morrer na forca. A inusitada
exposição destinava-se a chamar a atenção dos marinheiros para o que lhes
aconteceria caso fossem capturados como piratas. A terrível advertência fazia
parte dos esforços da Inglaterra em por fim à pirataria – cujo governo, por
sinal, a estimulara cem anos antes – e assim tranqüilizar os comerciantes que
viam seus negócios ameaçados pelos ladrões dos mares. Entre os desconhecidos corpos
de marinheiros que pendiam em Londres naquela primavera do início do século
XVIII, um ao menos era de um personagem importante: o capitão da marinha
William Kidd, que em 1695 desertou com navio e tudo, tornando-se um dos mais
célebres piratas da época.
Preso em Boston, na então colônia
inglesa da América do Norte, o escocês Kidd foi julgado e executado em Londres.
Na verdade, a pirataria não era propriamente uma novidade na Europa daqueles
notáveis tempos de expansão econômica e marítima. Tão antiga quanto a própria
história da navegação, a pirataria se fez presente desde os tempos antigos,
passando pelo Egito e Grécia até o império romano. Depois, durante a Idade
Média, teve nos vikings nórdicos seus mais ferozes praticantes. Além deles,
também ingleses, franceses, holandeses, irlandeses e árabes dedicaram-se ao
ofício pouco nobilitante de despojar de suas riquezas navios em alto-mar. Por
representarem um transtorno à boa marcha dos negócios por via marítima, os
piratas sempre estiveram sujeitos a severas punições.
Apesar disso, houve época em que a
atividade chegou a ser estimulada por vários governos. No século XVI, os
ingleses sentiam-se ameaçados pela Invencível Armada espanhola, montada graças
ao ouro saqueado das Américas. Em 1567, com suas naus equipadas com o que havia
de mais moderno em matéria de armas de fogo, a Espanha acabou por bloquear o
tráfego comercial marítimo entre as Ilhas Britânicas e os Países Baixos. Para
dar o troco aos espanhóis, a Inglaterra criou e manteve durante vinte anos uma
verdadeira frota mercenária: os corsários, navegadores aos quais outorgavam
cartas de corso (do latim cursus, viagem por mar). Tratava-se, na verdade, de
autorizações para roubar: as cartas permitiam que eles abordassem os galeões
espanhóis que traziam para a Europa as riquezas das colônias do Novo Mundo.
O cenário era o mar das Antilhas, na
América Central. “A vantagem para os ingleses é que as frotas que levavam os
tesouros espanhóis tinham data marcada para sair e rota conhecida, o que
facilitava o trabalho dos piratas. Mesmo assim os combatentes eram ferozes,
pois as frotas eram sempre escoltadas”, explica a historiadora Janice Theodoro
da Silva, da USP, especializada em América colonial. “O investimento que a
Inglaterra fazia na pirataria tinha retorno certo”, avalia a historiadora.
“Embora as despesas fossem enormes, o butim era compensador”. A rigor, a
Inglaterra não era a única nação cujo comércio exterior se ressentia da
presença espanhola nos mares – e por isso recorria aos corsários. A França, por
exemplo, também se valia dessa arma.
A diferença é que a Inglaterra soube
utilizá-la como ninguém, até porque alguns dos mais célebres piratas eram
súditos de Sua Majestade Britânica. O melhor exemplo disso foi o audacioso
Francis Drake, que entre 1577 e 1580, com o apoio da rainha Elizabeth I,
realizou uma viagem de circunavegação do mundo em seu navio The Golden Hind,
passando pelo estreito de Magalhães, que liga no sul da América o Atlântico ao
Pacífico. Já que estava mesmo por ali, aproveitou para saquear a costa do
Pacífico e capturar o ouro, a prata e as pedras preciosas dos galeões
espanhóis. Ao regressar à Inglaterra, foi recebido com todas as honras pela
rainha e condecorado com o título de sir.
O suporte da coroa britânica à
pirataria enfureceu de tal forma o rei Felipe II da Espanha que acabou
declarando guerra aos ingleses. Foi uma decisão que mudou o curso da história
européia. Pois em 1588, há quatrocentos anos, a Invencível Armada, com seus 133
navios, foi destroçada – e essa foi uma das causas do declínio político e
econômico da Espanha no mundo e da ascensão da Inglaterra. Corsários,
flibusteiros, bucaneiros ou pura e simplesmente piratas, financiados por
governos ou por ricos comerciantes, tinham sempre um único objetivo, como,
aliás, todo ladrão que se preze, em alto-mar ou terra firme: fazer fortuna
pilhando a fortuna alheia. No entanto, como em tudo na vida, nem sempre eram
bem-sucedidos.
Qualquer marinheiro que embarcasse num
navio pirata sabia, por exemplo, que sem presa não haveria paga. Por isso, era
uma gente disposta a tudo. Quando o capitão do navio finalmente conseguia
arrebanhar a tripulação de que precisava para zarpar, estabelecia as regras
para a divisão do produto do saque. Os interessados ficavam então sabendo que,
terminada a pilhagem, as mercadorias seriam vendidas; calculado seu valor
total, deduziam-se as despesas de viagem (um terço era pago a quem havia
financiado o, digamos, empreendimento) e o restante era repartido. Ao capitão,
naturalmente, cabia a parte do tubarão – algo como um terço do produto do
saque; os marinheiros de primeira viagem ficavam com os trocados.
Mas, veterano ou novato, o marinheiro
que primeiro gritasse “vela à vista” receberia 100 moedas. Se houvesse combates
e algum marinheiro saísse mutilado, seria indenizado: quem perdesse um olho ou
um braço recebia 600 moedas; a perda de um dedo (do pé ou da mão) era
recompensada com 100 moedas. Tais obrigações deviam ser cumpridas à risca pelo
capitão; em contrapartida exigia-se que os marinheiros não se acovardassem nem
se embriagassem na iminência de uma abordagem – o que, apesar de tudo, era
comum. Para saber se um marinheiro estava ou não bêbado, submetia-se o suspeito
à prova de andar em linha reta – e não se admitia culpar o balanço do mar pelos
ziguezagues.
Os piratas embarcavam nessa vida
movidos pela ganância, mas suportavam o dia-a-dia a bordo movidos a álcool, rum
de preferência. Conta-se até que certa vez uma navio de piratas demorou três
dias para capturar um galeão por falta de homens sóbrios. Mas havia ocasiões em
que era permitido festejar e beber até cair. Isso acontecia quando os navios
atravessavam determinados marcos geográficos como o estreito da Flórida (que
separa o mar das Antilhas do golfo do México) ou a linha do equador (marco
imaginário que divide o hemisfério norte do hemisfério sul). Então um dos
piratas se vestia de rei e, acompanhado de sua corte, todos vestidos de forma
espalhafatosa, batizava os que nunca haviam cruzado a fronteira. O batismo
variava desde o afogamento simulado num barril até um passeio sobre uma tábua
suspensa na proa e então mergulhada na água, uma, duas, três vezes. Depois, os
calouros que resistissem a essa verdadeira tortura recebiam um apelido que lhes
dava a tripulação. A cerimônia, por assim dizer, terminava com uma batalha de
água que se espalhava pelo navio e geralmente com homéricos porres. Esse
costume talvez tenha dado origem às festas que os navios de passageiros
promovem até hoje para comemorar a travessia do equador.
Mas a vida no mar nas regiões tropicais
estava longe das lendas que a literatura e o cinema se encarregariam de
difundir. As ilhas onde os piratas aportavam podiam ser ensolaradas, com praias
cobertas de palmeiras e cachoeiras de águas límpidas. Mas, apesar do cenário
paradisíaco, os ladrões do mar costumavam padecer – e muitas vezes morriam – de
tudo quanto fosse doença. Como nem sempre as provisões que levavam eram
suficientes para a incerta vida marítima – as tempestades, por exemplo, podiam
tirar os navios da rota -, os piratas acabavam a pão e água (ou nem isso) até
chegar a um porto seguro onde pudessem reabastecer os navios. Freqüentemente, a
comida não só era pouca mas inadequada. A falta de vitamina C, por exemplo
fazia o marinheiro morrer de escorbuto, doença que se caracteriza por provocar
fortes hemorragias. Trechos de um depoimento deixado por um pirata anônimo,
citado pelo historiador Edward Ritchie, da Universidade da Califórnia, dá uma
idéia do que podia ser a vida de pirata:
“Muitas são as
misérias que os marinheiros enfrentam quando adoecem, sendo poucos os meios de
se reconfortarem, pois então não podem buscar a carne e a bebida que acham que
lhes farão bem (…) E, quando o marinheiro morre, é ‘enterrado’ rapidamente,
poupando aos amigos e conhecidos o trabalho de ir à igreja e mandar dobrar os
sinos (…) Em lugar disso eles apenas o costuram num cobertor velho ou num
pedaço de lona, amarram em seus pés duas ou três balas de canhão e o lançam ao
mar”. Havia ainda problemas mais prosaicos. Por exemplo, o constante contato com
a água salgada decompunha as roupas rapidamente e os piratas se viam obrigados
a usar as sedas e brocados que haviam pilhado – e que não eram propriamente os
trajes mais adequados para o clima e o serviço.”
Não espanta assim que, se a primeira
ambição de um pirata fosse enriquecer, a segunda era voltar para casa o quanto
antes. Em casa, alguns piratas bem-sucedidos, tinham prêmios adicionais à
espera. Além de Sir Francis Drake, houve o caso do inglês Henry Morgan. No
comando de uma frota que chegou a ter 36 navios, ele percorreu o mar das
Antilhas durante dezessete anos. Mas em 1672 foi preso e reconduzido à
Inglaterra. Ali, no entanto, foi feito cavaleiro e ainda por cima nomeado
governador da Jamaica – com a incumbência de reprimir a atividade de seus ex-companheiros.
Morgan morreu em 1688, aos 53 anos, em santa paz e cercado de todas as
homenagens.
Foi por essa época, no final do século
XVII, que as colônias inglesas, francesas e holandesas nas Antilhas começaram a
atrair aventureiros de todo tipo. Como não tinham terras e a economia colonial
girava em torno de plantações que utilizavam mão-de-obra escrava, esses
forasteiros acabaram confinados a alguns povoados. Por força do isolamento,
organizaram-se em confrarias para tentar a sorte no mar, dedicando-se também à
pirataria. Como algumas dessas colônias eram pobres, seus governadores, sem
meios de combater os piratas, não tinham outra saída senão aliar-se a eles. Por
isso, alguns portos antilhanos, como Port Royal, Anguila e a ilha de Tortuga,
transformaram-se em célebres esconderijos de piratas.
Tanto nos povoados que freqüentavam
quanto nos seus navios, as regras eram informais. Num livro sobre pirataria,
tema que fascinou o inglês Daniel Defoe (1660-1731), autor do clássico romance
Robinson Crusoé, narra que, muitas vezes, os piratas elegiam democraticamente
seus capitães. Eles também acabaram substituindo a tradicional bandeira
vermelha sem emblema, a marca registrada dos navios corsários, pelo pano negro
estampado com a caveira e os ossos cruzados. Os ladrões do mar, entretanto, já
estavam com os dias contados.
No início do século XVIII, já
estabelecida como a nação mais rica e poderosa do mundo, a Inglaterra dispensou
definitivamente os serviços dos piratas – e declarou aberta a temporada de caça
à pirataria. Assim o governo britânico cumpria com algum atraso o compromisso
assinado em 1670, no Tratado de Madri. A primeira lei inglesa instituindo
tribunais especiais para julgar os piratas capturados data de 1700. Foi graças
a essa lei que o capitão William Kidd acabou executado e teve seu corpo exposto
em Londres em 1701. Dezessete anos depois, chegou a vez de outro pirata famoso,
Edward Teach, o Barba Negra, que assolava as colônias inglesas da costa sudeste
da América do Norte. Ele costumava buscar refúgio em Charleston, na Carolina do
Sul, mas os habitantes do lugar acabariam criando coragem e trataram de dar
cabo de tão perniciosa figura. Assim, Barba Negra terminou seus dias linchado.
Os corsários saíam da história para virar lenda.
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