Natalia Yudenitsch
Os presságios para os bizantinos no dia 24 de maio
de 1453 eram os piores possíveis. Nesse dia, um eclipse lunar lembrou a todos
os que resistiam ao cerco otomano, imposto pelo sultão Maomé II desde o dia 6
de abril, que uma antiga profecia estava para se cumprir. A lenda dizia que a
bela Constantinopla (atual Istambul, na Turquia), a joia do Oriente e capital
do Império Bizantino, resistiria a seus inimigos enquanto a Lua brilhasse firme
no céu. Para o desespero da população, os sinais da desgraça que estava para se
abater sobre os homens do imperador Constantino XI não pararam por aí. No dia
seguinte, um ícone da Virgem Maria se espatifou no chão durante uma procissão
e, na sequência, uma chuva de granizo inundou as ruas, encharcando os mais de
22 km de muralhas que protegiam a cidade.
Para muitos, a culpa era da política de
reaproximação com as nações católicas do Ocidente promovida pelo imperador e
iniciada ainda no reinado de seu pai, João VIII. Preocupado com o isolamento de
seu império desde o cisma entre as igrejas católica e ortodoxa, em 1054,
Constantino não podia imaginar que, ao exigir uma anuidade de Maomé para
sustentar um príncipe otomano prisioneiro em Constantinopla, estava dando
início a sua própria destruição. Pois o sultão considerou a cobrança da taxa
uma afronta pessoal e imediatamente começou os preparativos para iniciar o
cerco.
A princípio, a população acreditava que a capital
resistiria sem problemas. Localizada sobre o estreito de Bósforo, que limita os
continentes asiático e europeu, em direção à Anatólia, e rota de ligação ente
Turquia e Ásia e entre os mares Negro e Mediterrâneo, a cidade batizada em
homenagem ao imperador Constantino I já havia resistido a mais de 20 ataques –
de hunos, búlgaros, russos, germânicos e avaros. Só havia caído uma vez,
durante a Quarta Cruzada, em 1204, quando foi saqueada e incendiada por três
dias, mas foi retomada pelos bizantinos em 1261, que dominaram toda a península
Balcânica. “A verdade, contudo, é que o império havia sobrevivido, porém bem mais
pobre e sem o apoio da Igreja Católica, limitando seus territórios à cidade de
Constantinopla e a uma porção do Peloponeso”, diz Jill Diana Harries,
professora de história antiga da Universidade de St. Andrews, na Escócia.
Diante do inevitável embate, Constantino decidiu
apelar à Europa católica, com quem vinha costurando acordos desde sua coroação,
em 1449. Recebeu muitas promessas que, se fossem cumpridas a tempo, poderiam
ter mudado o rumo da história. O papa Nicolau V disse que mandaria navios
recheados de mantimentos e armas, mais a presença do cardeal Isidro com 300
arqueiros napolitanos. Já os venezianos se comprometeram com o envio de cerca
de 900 soldados e mais 16 navios com suprimentos. Enquanto os bizantinos
esperavam, os otomanos – para quem a tomada de Constantinopla era uma
estratégica para o domínio dos Bálcãs e da parte oriental do Mediterrâneo –
reuniam um exército de quase 100 mil homens. “As forças otomanas contavam com
um grande bônus: os cerca de 12 mil janízaros, guerreiros de elite dos sultões.
Em sua origem, eram crianças cristãs capturadas pelos turcos como escravas,
convertidas ao islamismo e treinadas para a guerra”, conta Harries.
A ajuda que não vinha
Em paralelo, o sultão Maomé ordenou a construção de
uma fortaleza ao norte de Constantinopla. Isso porque ali ficava o calcanhar de
Aquiles da cidade: as muralhas ao longo do Corno de Ouro, o canal que separava
Constantinopla da vila de Pera e que os bizantinos haviam fechado com uma
enorme corrente de ferro para controlar a aproximação de navios. A
recém-construída fortaleza otomana tinha por objetivo exatamente bloquear a
ajuda que viria das duas entradas do mar de Mármara, que separa os mares Negro
e Egeu, valendo-se para tanto de três canhões no ponto mais estreito do Bósforo
e mais de 120 navios em Dardanelos e Mármara.
Quando em 6 de abril de 1453 o canhão de 8 m dos
turcos deu seu primeiro disparo, Constantino soube que o cerco começara. E
começara mal, já que as muralhas de Constantinopla não estavam preparadas para
resistir a esse tipo de ataque e começaram a ceder em vários pontos, sendo
reconstruídas diariamente após o anoitecer. Ainda esperando a ajuda do Ocidente
chegar, os bizantinos receberam uma injeção de ânimo após duas vitórias
sucessivas. Na primeira, em 12 de abril, conseguiram expulsar o almirante
búlgaro Suleimã Balthoglu do Corno de Ouro. No dia 18, repetiram a façanha,
contendo os otomanos no vale do Licos ao usar principalmente o fogo grego, uma
substância que se inflamava ao contato com a água (provavelmente cal viva) e
era lançada das muralhas sobre o inimigo. Como resultado, a primeira parte da
ajuda cristã conseguiu chegar por mar no dia 20. “Essa derrota enfureceu o
sultão, que humilhou Baltoghlu publicamente e o dispensou de seu serviço”, fala
Gregory Warden, historiador e professor da Universidade Southern Methodist do
Texas, nos EUA.
A essa altura, o resto da ajuda prometida pelas
nações cristãs era essencial – só que não havia sinal de navios no horizonte.
Constantinopla estava chegando ao fim de sua capacidade de resistência. Vendo
as dificuldades em controlar o Corno de Ouro, Mohamed agiu diferente: mandou
construir, em maio, uma estrada de rolagem e puxar seus navios por terra, onde
seriam reposicionados de forma a impedir os consertos nas fortificações da
cidade.
Constantino ordenou então um contra-ataque. “Mas o
sultão mantinha espiões bem treinados, que localizaram os invasores e os
mataram antes que o ataque fosse efetivado. Em represália, o imperador
bizantino decapitou mais de 200 prisioneiros otomanos, atirando seus corpos
pelas muralhas”, diz Warden. Sentindo a fraqueza de seu inimigo, o sultão fez
uma proposta. Se Constantino entregasse a capital, os cristãos seriam poupados.
Magnânimo, Maomé ainda deu uma alternativa: o pagamento em dinheiro. Sem caixa
desde o saque realizado pelos cruzados, o imperador foi obrigado a dizer não à
última chance de paz que teria.
O dia da queda
A recusa de Constantino foi o fator decisivo para o
sultão decretar que, na manhã de 29 de maio, Constantinopla cairia. Na noite
anterior, os otomanos descansaram. Um silêncio inédito nos 54 dias de cerco se
fez sobre a cidade. “Para tentar quebrar o clima de mal-estar e desânimo que se
abatia sobre a população, os sinos das igrejas da cidade badalaram sem descanso
durante todo o dia”, afirma Warden. Quanto o ataque turco veio, os bizantinos
lutaram bravamente usando suas melhores armas e homens. A estratégia otomana,
porém, era outra. Depois de cansarem seus inimigos por horas, colocaram em ação
o exército turco profissional, mais os temidos janízaros. Junto com eles, veio
o gigantesco canhão que iniciara a batalha.
No primeiro tiro, um pedaço da muralha veio ao
chão. “Contudo, os turcos conseguiram encontrar uma brecha no lado noroeste da
muralha e forçaram a entrada na cidade, causando desordem entre os soldados
gregos que lutavam ao lado de Constantino. Acredita-se que o último imperador
bizantino pereceu nesse ataque, depois de ter lutado até onde podia para
defender a cidade”, fala Steven A. Epstein, professor de história antiga da
Universidade do Kansas, nos EUA. O estrago, porém, era irreversível. Em pouco
tempo, os bizantinos foram esmagados pela força otomana. Constantinopla havia
finalmente caído. O que veio a seguir foi o terror. Por cerca de dois dias, uma
das cidades mais importantes do mundo medieval foi pilhada, e seus cidadãos,
mortos ou estuprados, enquanto os sobreviventes tentavam escapar por mar. O
saque foi tamanho que Maomé ordenou o encerramento do butim por temer que nada
sobrasse de sua nova conquista. Num gesto de triunfo, o sultão foi ao coração
cristão de Constantinopla, a Catedral de Santa Sofia, e a consagrou como
mesquita. A cidade era, agora, a capital de um novo império.
Novos tempos
Quando a notícia da queda chegou ao Ocidente,
muitos duvidaram de sua veracidade. A fama de suas impenetráveis muralhas era
conhecida, e a ideia de que não pudesse resistir aos turcos chocou a Europa. Os
maiores problemas, entretanto, eram de ordem prática. As rotas de comércio
entre a Europa e a Ásia estavam agora fechadas e sob o domínio dos muçulmanos
de Maomé II. E era pelo Bósforo, e por Constantinopla, que passavam todos os
mercadores que vinham da China e da Índia, trazendo as preciosas especiarias e
os artigos de luxo tão essenciais ao continente. A opção encontrada pelos
europeus foi pensar em rotas alternativas. Quem se beneficiou com essa ideia
foram dois países que tinham uma posição estratégica junto ao oceano Atlântico
e à África: Portugal e Espanha.
Começava então uma era de explorações e a corrida
por caminhos diferentes que levassem às Índias. Foi nesse contexto que Vasco da
Gama fez sua travessia, em 1498, e Cristóvão Colombo chegou, em 1492, ao
continente americano, financiados pelos espanhóis. Nascia o sonho de
civilização e ocupação do chamado Novo Mundo, enquanto o Império Bizantino e
sua cultura clássica morriam. “Os historiadores consideram a queda de
Constantinopla não só como o fim da Idade Média mas também o início do
Renascimento, que já era um fato na Itália. Esse período veio a ser conhecido como
a Era dos Descobrimentos”, conta Epstein. Como lembrança do triste fim do
cerco, a terça-feira, o dia da queda, passou a ser considerada um dia de má
sorte entre os sobreviventes, em especial os gregos.
Vlad III, o verdadeiro Drácula
Quando se fala de Conde Drácula, o famoso bebedor de sangue
criado pelo escritor irlandês Bram Stoker em 1897, nem sempre se sabe que o
mito se origina na Idade Média. A inspiração para o nobre vampiro talvez seja
até mais macabra do que o personagem a quem inspirou – por ser verdadeira e ter
deixado um rastro de sangue real por onde passou. A história, como a ficção,
começa na pequena cidade de Sighisoara, na Transilvânia, na Romênia. Ali, em
dezembro de 1431, nasceu Vlad III Drácula, mais conhecido como Vlad, o Empalador.
Coroado em 1448 como rei da Valáquia (Romênia), Vlad manteve seu reinado de
terror ao se distanciar das políticas do Império Otomano. Sua fama, porém, veio
de seus hábitos e da forma peculiarmente cruel com que tratava seus inimigos e
qualquer um que o desagradasse. Seu estilo predileto de tortura, que o fez
conhecido no mundo todo, era a morte lenta e extremamente dolorosa por
empalamento. As vítimas eram amarradas e estacas não muito afiadas e cobertas
de óleo eram introduzidas em seus corpos – no abdômen, no ânus ou no estômago –
e em seguida puxadas por cavalos até que saíssem pela boca. Certa vez, mais de
20 mil mercadores e boiardos de Barsov, na Transilvânia, acabaram sendo
empalados em uma floresta, cujas árvores foram cortadas e afiadas especialmente
para esse propósito. O rei festejou entre os corpos agonizantes durante toda a
noite, ocorrida em 1459. Essa não era a única forma de morrer nas mãos de Vlad.
Soldados, súditos, inimigos, velhos, camponeses, mulheres e crianças poderiam
sofrer dos mais variados jeitos. Esfolamento em vida, escalpo, enforcamento,
mutilação, envenenamento, inserção lenta de pregos no crânio e até a prática de
cozinhar em água fervente seus desafetos eram hábitos comuns durante seu
reinado. Conhecido por apreciar seu pão molhado no sangue de porco – ou de suas
vítimas, como dizia a população temerosa –, Vlad III era movido pela sede de
vingança contra as conspirações que levaram ao assassinato de seu pai e irmão.
Logo que assumiu o trono, deu uma grande festa, para a qual convidou todas as
famílias nobres que acreditava estarem envolvidas na trama, comum no reinado da
Valáquia, já que a coroa era passada após uma eleição feita pelos boiardos e
não de forma hereditária, como na Europa. Ao fim, ele prendeu todos os seus
convidados e os forçou a um trabalho escravo ao qual ficaram presos por meses:
a reconstrução de seu castelo. Pouquíssimos nobres sobreviveram à prova,
obrigados a trabalhar noite e dia, sem chance de trocar as roupas finas que iam
se rasgando. Após sua morte, durante uma batalha contra os turcos próxima a
Bucareste, em 1476, Vlad foi popularizado por centenas de histórias e lendas
espalhadas por toda a Europa, especialmente na Rússia e na Turquia. Apesar da
falta de dados que comprovem sua veracidade, diversos panfletos circulavam
entre a população contando casos como o do cálice dourado, que o rei
sanguinário teria colocado em praça pública para provar a eficácia de suas
leis. O medo das consequências era tanto que se diz que o cálice nunca saiu do
lugar.
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