Tiago Cordeiro
Depois dos duelos travados na África, Erwin Rommel e Bernard Montgomery voltaram a se encontrar em junho de 1944, na Normandia. Mais uma vez, o inglês, comandante responsável pela operação em terra após o desembarque, saiu-se melhor. Responsável por organizar a mal construída defesa militar na faixa de litoral que compreendia da Dinamarca até a costa da Espanha, Rommel não teve tempo nem recursos suficientes para garantir a retaliação às Forças aliadas. Além disso, o marechal e seu comandante não se entenderam a respeito da melhor estratégia a ser adotada. O debate confundiu Hitler e provocou uma confusão que limitou ainda mais o poder de reação do Eixo.
Desde março de 1942, o responsável pelas defesas no
front ocidental era o marechal-de-campo Karl von Rundstedt. Naquele mês, Hitler
estabeleceu uma estratégia para rechaçar qualquer ataque: fortes deveriam ser
construídos em todos os setores costeiros que permitissem desembarques. Caso um
deles fosse vazado pelos aliados, tropas localizadas em áreas próximas à costa
deveriam estar de prontidão para contra-atacar. Em primeiro de maio de 1943, a
Alemanha deveria ter 300 mil homens guardando 15 mil bases de concreto.
Acontece que Rundstedt contava com apenas 60
divisões para defender 5,4 mil quilômetros de costa – e esses homens, em grande
parte, eram soldados debilitados por outros confrontos, principalmente no front
russo, e até por prisioneiros de guerra. Havia, portanto, uma divisão para cada
90 quilômetros, quando Rundstedt dizia que, num plano ideal, ele deveria contar
com uma para cada 5 quilômetros. Em 1944, na França, o Eixo contava com
soldados de 26 diferentes nacionalidades. A confusão era grande. Quando assumiu
a função de inspecionar e melhorar esta linha de defesa, sob o comando de
Rundstedt, em novembro de 1943, Rommel ficou inconformado com o que viu e
começou uma corrida contra o tempo para minimizar os furos da longa barreira
alemã.
O general estabeleceu um plano para criar um
sistema complexo de obstáculos nas praias, que impedisse a passagem de barcos
de fundo chato. Também queria lançar ao mar 50 milhões de minas e transformar
as praias em grandes áreas de campos minados.
Faltou cimento
Mas os recursos não vieram. Só em uma das frentes,
na costa francesa, Rommel recebeu 10 mil dos 10 milhões de minas que
requisitou. No final de maio de 1944, a maior parte dos pontos fortificados
estava desprotegida. Faltou cimento para terminar muitas delas.
Mas o maior problema na organização da defesa do
Eixo era outro. Consciente da superioridade aérea aliada, que fora decisiva em
sua derrota na África, Rommel queria repelir os adversários na praia, ou se
possível ainda no mar. Seu superior, por sua vez, pretendia concentrar suas
forças em locais bem posicionados em terra, onde fosse possível repelir os
aliados assim que eles conquistassem uma cabeça-de-praia – no fundo, o que ele
pretendia era recriar a Batalha de Dunquerque, de quatro anos antes. O próprio
Rundstedt havia comandado o Eixo naquela vitória que arremessara as tropas
inglesas para o mar.
Depois de ouvir atentamente aos argumentos dos dois
e de seu alto-comando (majoritariamente favorável a Rundstedt), Hitler não fez
uma coisa nem outra. Ele acabou por dividir suas forças entre praia e terra.
Foi a pior opção possível. Na madrugada de 6 de junho de 1944, o Dia D, Rommel
estava nas proximidades de Ulm, na Alemanha, comemorando o aniversário de sua
mulher, Lucie. Só conseguiu chegar à França por volta das 22h, quando os
aliados já tinham 150 mil homens em cinco praias.
Duas unidades, a 12ª SS Panzer e a Panzer Lehr,
estavam a caminho, e o que havia sobrado da 21ª Panzer estava contra-atacando a
3ª Divisão canadense nas proximidades de Caen. Batidos na praia, os alemães
agora tinham de encarar uma luta de defesa em várias frentes, com recursos
insuficientes e a mobilidade parcialmente comprometida pelos maciços ataques
aéreos inimigos. A partir de 7 de junho, e pelos dez dias seguintes, a 6ª
Divisão Aérea britânica se mostraria capaz de barrar todas as investidas
alemãs. No dia 12, os aliados tomavam Carentan.
Mais uma vez, os canhões de 88 milímetros de Rommel
fizeram grandes estragos contra as forças aliadas. Com frequência, o avanço
britânico em direção ao sudeste de Caen foi interrompido por uns poucos tanques
Mark VI Tiger – em um dos casos, nas proximidades de Villers-Bocage, um único
tanque, sozinho, conseguiu afastar um grupo de veículos ingleses. Mas os
aliados ressurgiam em quantidades espantosas. Diante do fantasma de outra
derrota estrondosa, Rommel começou a questionar seriamente a capacidade de
liderança de Hitler e a defender abertamente que a Alemanha pedisse um
armistício que mantivesse ao menos uma pequena parte das conquistas realizadas
até aquele momento. Em um encontro realizado no dia 26 de junho, ele e
Rundstedt entraram em acordo quanto a isso e comprometeram-se a levar essa
posição ao comando do Exército. Em conversas privadas, Rommel passou a comentar
que preferia calar suas baterias de defesa e permitir que Churchill entrasse em
Berlim a ver os soviéticos, a leste, entrarem primeiro em sua capital.
Pessimismo
No dia 29 de junho, em conferência com o Führer,
Rommel defendeu seu ponto de vista. “O mundo inteiro se posicionou unido contra
a Alemanha, e essa desproporção de forças...”, ele começou. Hitler
interrompeu-o bruscamente e pediu que o marechal se ativesse a questões
militares, e não políticas. Foi o que ele fez, até o final de sua explanação.
Rommel finalizava com críticas severas à passividade da Força Aérea, a
Luftwaffe, quando disse que não poderia deixar de insistir em discutir o futuro
do país caso a guerra continuasse.
“É melhor você sair desta sala agora”, Hitler
respondeu. Os dois nunca mais se viram. Rundstedt detestava os nazistas, mas
não continuou a insistir no assunto.Foi depois substituído pelo general Günther
von Kluge. Desanimado, o marechal voltou ao campo de batalha, onde passou a
fazer mais questão ainda de acompanhar de perto suas tropas. Ele parecia estar em
todo lugar. Ao general Kluge, alertou, em relatório escrito em 5 de julho, que
apenas 12 divisões estavam tentando conter todo o front, onde 40 divisões
aliadas se movimentavam. Desde o Dia D, o Eixo perdera 117 mil homens, sendo
2,7 mil oficiais. Irritado com o pessimismo de Rommel, o general resolveu
conferir a situação por conta própria. Dias depois, relatou a Hitler que a
situação era realmente catastrófica.
Por causa dos ataques aéreos, os deslocamentos por
terra sempre apresentavam riscos. Em 17 de julho, o carro em que Rommel estava
foi atacado na França, no caminho entre Saint-Pierre e La Roche-Guyon. O
marechal ficou gravemente ferido. Ele ainda estava inconsciente quando, no dia
20, Hitler sofreu um atentado a bomba. Em 25 de agosto, Paris era libertada.
Rommel morreu em 14 de outubro. Em 2 de maio de 1945, Berlim era tomada pelos
soviéticos.
Anzio
Em janeiro de 1944, o Eixo esteve muito mais perto de repelir
as forças aliadas do que na Normandia. Na região italiana de Anzio, 60
quilômetros ao sul de Roma, os alemães, em minoria, aproveitaram-se da boa
posição defensiva construída na linha Gustav para repelir com força a Operação
Shingle, uma tentativa audaciosa de invasão. Os aliados usaram 5 cruzadores, 24
destróieres, 238 lanchas de desembarque, 5 mil veículos terrestres e 40 mil
soldados. O primeiro ataque aconteceu em Monte Cassino, no dia 16, e forçou o
comandante da linha Gustav, o general Heinrich von Vietinghoff, a pedir
reforços. O comandante Albert Kesselring destacou de Roma duas divisões, a 29ª
e a 90ª. No dia 22, começaram os desembarques em massa. Três dias depois, três
divisões cercavam e atacavam a cabeça-de -praia. Posteriormente, o responsável
pela ação, o general John P. Lucas, seria muito criticado por não se movimentar
contra Roma mais rapidamente, já que a cidade estava sem duas divisões, levadas
para a linha Gustav. Por causa da lentidão, Lucas perdeu o efeito surpresa e
expôs-se aos contra-ataques alemães. Ainda assim, graças à superioridade
militar, os aliados foram capazes de avançar contra a capital italiana, que foi
ocupada em 5 de junho.
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