Isabelle Somma
O destino do maior e mais poderoso império sobre a
Terra estava em jogo naquele dia 20 de junho de 451, em Châlons, ao norte do
que hoje é a França. Aecius, um respeitado general romano, aguardava a chegada
de seu inimigo. O poderoso exército romano já havia conhecido dias melhores,
mas mesmo assim Aecius tinha sob seu comando 160 mil homens, entre legionários
de Roma e aliados bárbaros – que era como os romanos chamavam todos os povos
europeus que não viviam dentro de seu império. A formação do exército era pouco
confiável, a tropa estava decadente e os salários eram pagos com atraso. Mas
nada disso preocupava Aecius. O problema era seu oponente. Um homem cujo nome,
em menos de 20 anos, tinha virado sinônimo de destruição e horror. O sujeito
mais odiado de seu tempo já havia devastado boa parte da Europa e estava a
caminho de seu coração: Roma. Era Átila, o rei dos hunos.
O comandante tinha razão em estar preocupado. Os
hunos eram realmente terríveis. Em oposição às tribos germânicas, que
cultivavam a terra e já conviviam numa boa com os romanos, eles permaneciam
nômades, viviam de saques, dos resgates que exigiam daqueles que aprisionavam e
da cobrança de proteção de quem não queria ser atacado. Enfim, eles eram os
bárbaros que botavam os bárbaros para correr. Segundo o historiador romano
Marcelinus, eles lutavam como doidos e executavam qualquer um que não se
rendesse. Eram grandes cavaleiros e, no início, utilizavam lanças e arco e
flecha. Depois do contato com os romanos, adotaram catapultas, escudos e capacetes.
Entre os chefes dessa turma estavam os irmãos Octar
e Rua Mundzuc, e foi no meio dessa família que surgiu um novo rei. Átila
provavelmente nasceu no atual território da Hungria, às margens do rio Danúbio.
Filho de Mundzuc, entre os anos de 435 e 440 ele herdou as terras de seu pai e
de seus tios e ainda abocanhou o pedaço de seu irmão Bleda, depois de matá-lo.
Ele virou líder dos hunos num momento em que a principal potência do mundo
antigo estava prestes a ruir. “Na primeira metade do século 5, a parte
ocidental do império quase foi substituída por reinos bárbaros”, diz Kenneth
Dark, historiador da Universidade de Bristol, na Inglaterra. A coisa andava tão
feia que, no ano 410, Roma foi saqueada pelos visigodos. Foi a primeira vez em
800 anos que a cidade foi atacada por bárbaros.
Quase todos os relatos sobre Átila o descrevem como
um monstro. A exceção é o historiador romano Prisco, que conheceu pessoalmente
o general huno e descreve sua corte, às margens do rio Danúbio, como um lugar
simples e organizado. Mas, no campo de batalha, o cara tinha fama de mau.
“Átila contava com um forte aliado: o medo que seus homens provocavam no
inimigo. Com isso, ele conseguia altas somas em ouro simplesmente blefando”,
diz Charles William King, da Universidade de Nebraska, nos Estados Unidos. Em
447, Átila devastou a Trácia, pilhou monastérios e vilarejos e destruiu
plantações. O imperador do lado oriental, Teodósio II, aceitou pagar um tributo
anual em ouro e terras para evitar o avanço dos hunos. Com o acordo garantido
do lado oriental, Átila resolveu atacar o ocidente. Ele só precisava de um
pretexto. Logo surgiu um.
A irmã do imperador romano Valentiniano, Justa
Grata Honoria, foi presa depois de engravidar de um funcionário da corte.
Pensando em quem seria um rival à altura de seu irmão para salvá-la, Justa
resolveu recorrer ao homem mais poderoso de que ouvira falar: ele mesmo, o rei
dos hunos. E enviou a Átila uma carta pedindo ajuda. Em troca, lhe cederia uma
fatia generosa do Império. “Átila teria interpretado o pedido como uma proposta
de casamento e, segundo autores medievais, exigiu metade do Império Ocidental”,
diz King. Será que isso é verdade? Não parece uma daquelas lendas medievais,
com uma princesa raptada e um guerreiro partindo em sua salvação? Pode ser, mas
o fato é que, por volta de 450, Átila começou a marchar em busca do que achava
que era seu – fosse Justa Honória, fosse uma fatia do decadente Império Romano.
Com ele, seguiram mais de 300 mil homens, entre eles os agora aliados
ostrogodos, burgúndios e alanos, além de alguns francos. O enorme exército
invadiu a região do vale do rio Reno e não poupou ninguém. A aproximação dos
hunos fez com que os romanos finalmente começassem a se organizar. E aí
chegamos de volta a Châlon.
Na porta de Roma
De repente, todo o destino da Europa estava em
jogo. Se ganhasse, Átila teria caminho livre até Roma. Mas a superioridade
numérica e a disciplina dos soldados romanos foram decisivas. Os hunos foram
derrotados. Átila, segundo a tradição, estava se preparando para cometer
suicídio caso seu acampamento fosse invadido quando recebeu a mensagem de
Aecius, permitindo que ele e parte de seus homens se retirassem. Átila,
humildemente, aceitou. A vitória deu a Aecius o título de “o último dos
romanos”, ou seja, o último general que honrou em campo a armadura que vestia.
Mas sua tática de deixar o inimigo se recompor não foi nada inteligente. Átila
invadiu a Itália em 452 e destruiu várias cidades, entre elas Milão. Aí ocorreu
algo surpreendente. Ele estava a cerca de 200 quilômetros de Roma. Um pulinho,
para quem estava a mais de 3 mil quilômetros de casa. E, no entanto, após 13
dias acampado, deu meia-volta e se foi. Não se sabe por que Átila não seguiu em
frente até Roma. Pode ser que ele estivesse doente demais para isso. Antes que
pudesse partir, e tendo tomado para si uma nova esposa, Idilico, provavelmente
uma princesa visigoda, Átila teve uma hemorragia estomacal. No dia seguinte ao
casamento, o homem mais temido do mundo morreu.
“O reino de Átila desmoronou imediatamente. Em uma
série de batalhas, os filhos de Átila foram vencidos por outros povos
bárbaros”, diz Kulinowski. O império Romano não teve um destino muito melhor:
também acabou, apenas 23 anos depois da morte de Átila.
Muralha contra os hunos
Eles também detonaram tudo do
outro lado do mundo
Não há certeza sobre as origens dos hunos, mas os
rastros mais antigos deles são da China e datam do século 3 a.C., quando o
imperador Shi Huangdi ordenou a construção de uma longa barreira feita de
argila para proteger seu reino de invasões. A contenção era nada mais nada
menos do que a Muralha da China. E os invasores eram os hunos. No século 3, os
hunos se dividiram em grupos. Um deles foi parar nas margens dos rios Volga e
Don, na Europa. Os hunos que continuaram na Ásia deixaram muitos registros,
como a cidade Tongwan. Construída em 419 e abandonada no ano 984, ela tinha 20
mil km2 de extensão e muros de até 30 metros de altura. As provas mais
confiáveis sobre os hunos podem estar na China, mas as marcas culturais deles
estão em vários lugares. “As músicas folclóricas e a flauta hujia dos hunos são
encontrados hoje na Mongólia e na Rússia”, diz Zhang Mingqia, do Museu de
História de Shaanxi, na China. Além disso, a língua falada hoje na Hungria é
parecida com a da província de Shaanxi, de onde os hunos partiram em direção à
Europa.
Intriga da oposição
Em todo o Império Romano do século 5, e também nos
territórios bárbaros, o povo tinha mais medo de Átila do que do capeta. Um dos
boatos mais conhecidos era o de que ele e sua turma comiam carne crua. Até aí
tudo bem, afinal até hoje comemos sashimi, quibe cru e carpaccio. O problema é
que eles usariam a carne crua como sela. Ou seja, sentavam-se nela enquanto
cavalgavam. Quando tinham fome, era só tirar uma lasquinha. Prisco, o único que
conheceu Átila, afirmou que ele vivia numa espécie de reino na região da atual
Hungria. Ali havia um local para banhos, e comia-se muita carne, mas ela não
era curtida em cima dos cavalos. E a história de que os hunos dormiam, comiam e
faziam suas necessidades em cima do animal também é pura intriga dos romanos.
Outro relato, que chegou a ser reproduzido em
pinturas por mestres como Rafael, foi o do encontro entre o papa Leão I e
Átila. Segundo a lenda, ambos teriam batido um longo papo, em que Leão I teria
convencido o “flagelo de Deus” a não destruir Roma. Átila realmente recebeu o
papa em seu acampamento. Mas ele não invadiu Roma por outro motivo. “Alguns de
seus comandantes, incluindo ele próprio, caíram doentes, o que forçou a
retirada”, afirma o professor Michael Kulikowski, da Universidade do Tennessee.
Outro mito que chegou aos dias de hoje é o de que por onde Átila passava, não
nascia grama. Segundo Ferrill, isso se deve ao estrago feio que ele causou na
Gália.
http://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/o-flagelo-de-deus-atila.phtml#.WU5uM9IrLct
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