Voltaire Schilling
Morto
em combate em 1918, aos 26
anos, no ano final da Iª Guerra Mundial, o Barão Manfred von Richthofen,
apelidado de o Barão Vermelho, o mais famoso de uma dinastia de pilotos
guerreiros alemães, foi o mais célebre ás de aviação de todos os tempos. Apesar
de ter abatido uma quantidade impressionante de aviadores inimigos, franceses,
ingleses e canadenses, foi profundamente admirado e respeitado por seus
adversários que o consideravam um adversário leal e generoso. Tanto assim
que, quando encontraram seu corpo jogado nas proximidades do seu avião
destruído, caído no campo em Cambrai onde estavam tropas australianas, seus
inimigos deram-lhe exéquias de herói, sepultando-o com todas as honras de
guerra que um valente merece.
A morte atrás de um “camelo”
“Se eu sair vivo desta guerra é porque eu tive mais sorte do que
cérebro”
-
Manfred von Richthofen.
Richthofen, o Barão Vermelho, morreu devido ter infringido o seu
próprio código de combate que dizia ser muito perigoso perseguir um avião
inimigo quando ele se refugiava em seu próprio território. No dia 21 de abril
de 1918, momento em que a guerra já se revelara impossível de ser vencida pela
Alemanha Imperial, ele, sem apoio de um segundo piloto que lhe desse
cobertura, decidiu perseguir um “Camelo”, isto é, um avião da
marca Sopwith Camel, que retirou-se para os lados das linhas
australianas no vale do Somme, na Cordilheira Morlancourt, perto de Corbie.
Local onde ele se viu sobre duplo fogo, do ar e da terra, caindo em seguida.
Até hoje há controvérsia sobre quem de fato o abateu, podendo ter sido o seu
fim determinado tanto por disparo de uma metralhada de um sargento,
disferido do chão, como por uma rajada do capitão Brown, um
piloto canadense. O seu corpo foi devidamente autopsiado no hangar do 3º
esquadrão aéreo australiano, situado em Poulainville, onde, além de uma fratura
no maxilar, constatou-se que uma bala fatal penetrara-lhe no lado direito
do peito, na altura da nona costela. Com o desaparecimento dele, o seu jovem
sobrinho Wolfram von Richthofen, companheiro e integrante do celebre esquadrão
de caças alemão Jagdstaffel, ou Jasta 11, uma das mais temidas da aviação
germânica, tentou inutilmente encontrá-lo. Somente dois meses mais tarde
souberam do destino do herói, inteirando-se das cerimônias honrosas com que os
seus inimigos o sepultaram.
Do cavalo ao Albatroz
Descendente de uma família da nobreza prussiana -
dos famosos junkers da Prússia Oriental -, o Barão Manfred von
Richthofen, nascido no Schweidnitz, em Breslau, em 1892, serviu como
cadete no 1º Regimento dos Ulanos. Tratava-se de uma tropa de escola da elite
guerreira alemã que prestava seus serviços à monarquia Guilhermina. Ao
eclodir a Primeira Guerra Mundial, em agosto de 1914, ele foi enviado
com o seu esquadrão de cavalaria para o fronte russo, mas, em pouco tempo, após
ter sido transferido para o fronte ocidental, verificou que, dado o avanço
espantoso das armas modernas, para um verdadeiro cavalheiro só
sobrara um lugar para lutar a boa luta: os céus. Seguindo-o, o seu irmão
mais novo Lothar Freiherr von Richthofen, o acompanhou na aventura. As
primeiras esquadrilhas da Fliegertruppe, a força aérea alemã, organizadas
naqueles começos da Grande Guerra, tiveram muitos dos seus quadros
preenchidos por pilotos oriundos da nobreza. Assim deu-se não
só na Alemanha e na Áustria, como na Grã-Bretanha, Itália
e França. Aos jovens aristocratas belicosos, metidos a super-homens
nietzscheanos, repugnava terem que combater nas trincheiras
embarradas, repletas de ratos e piolhos, ao lado do soldado comum. Pior
ainda, era estarem destinados a morrerem como anônimos em meio aquela
massa de cadáveres de gente desconhecida que cada batalha produzia, ou que o
tifo dizimava. Portanto, trataram de conquistar um espaço no qual feitos
espetaculares fossem bem visíveis e que a morte deles, quando ocorresse, fosse
avistada pela plebe das trincheiras, como acontecia entre os guerreiros
feudais que caíam à vista de todos. Em maio-junho de 1915, Manfred von
Richthofen tratou então de aprender a voar, trocando definitivamente
o cavalo por um avião: um biplano Albatroz D.II, da Fokker.
O caçador cavalheiro
O gosto pelas caçadas, costume comum entre os
aristocratas, o ajudou deveras. Manfred sempre a praticara na propriedade da
família, adquirindo então a técnica e o sangue frio suficiente para abater os
inimigos nos enfrentamentos aéreos. Em geral, os pilotos, de ambos os lados da
guerra, não apreciavam as tarefas rotineiras que o exército lhes determinava:
reconhecimento aéreo e bombardeio das linhas inimigas. Acreditam
que estavam vocacionados à proezas mais grandiosas, heróicas e
sensacionais, como os duelos travados nos ares contra os aeroplanos
adversários. Essas sim eram as façanhas que os atraíam. Aquelas correrias e
manobras nas alturas pareciam-lhes a revivência das grande justas
medievais nas quais um cavaleiro, galopando na liça a toda velocidade,
tentava derrubar da cela o antagonista num só golpe certeiro de lança,
espada ou martelo, dado de frente. Para os generais, entrementes, aqueles
desafios de zangões eram um desperdício. Os aviões, insistiam eles, eram
muito mais producentes despejando bombas sobre as linhas inimigas,
destruindo-lhes os paióis, incendiando-lhes os quartéis e
desbaratando-lhes as concentrações de tropas, do que ficarem zanzando no ar
entretidos em metralhas sem fim.
Nasce o Barão Vermelho
De certo modo, Richthofen foi, senão o
fundador, o mais famoso entusiastas da aviação de caça nascente.
Ele, imediatamente, percebeu os efeitos publicitários e psicológicos dos
embates aéreos. A imprensa da época adorou narrar os desafios espetaculares dos
pilotos de caça, situação onde indivíduos, sozinhos ou voando em pequenos
grupos, procurando valentões para as refregas, expunham a sua coragem
aos olhos de todos. Bem melhor do que os jornais dedicarem-se ao registro
burocrático da movimentação das tropas ou a descrição de batalhas que demoravam
meses, como as do Somme, de Verdum ou de Yprés, sem terem nenhum resultado
imediato ou conclusivo a celebrar, como ocorria com os grandes enfrentamentos
terrestres da Primeira Guerra Mundial. Para dar um clima ainda mais
sensacional as pelejas, Richthofen pintou seu avião de vermelho, a cor do seu
regimento dos Ulanos. Era um Albatroz que fazia 103 km.
p/hora, graças a um motor de 110 cavalos, facilmente visível nos
dias claros, chamativo com o qual ele espantava ou atraia a atenção dos
inimigos. Estes não demoraram em apelidá-lo de The Red Baron, “o Barão
Vermelho”. Não tardou para que Richthofen se revelasse um caçador terrível
(no ano de 1916 abateu 15 inimigos; em 1917, saltou para 46 e, no primeiro
trimestre de 1918, derrubou mais 17, perfazendo quase 80 aviões
destruídos), tendo os seus feitos ganho as páginas dos principais noticiários
daquela época. Posição em que foi seguido pelo seu irmão Lothar, que, mesmo
ferido três vezes com gravidade, igualmente revelou-se um implacável piloto de
caça, atingindo 40 vitórias até 1918.
O código da cavalaria
Adorado pelo povo alemão, que acolheu-o como se ele
fosse um herói mitológico, um Siegfried dotado de asas, ele, por
vezes, via-se obrigado a deixar o fronte para ir participar de homenagens na
retaguarda, inclusive sendo recebido pelo Kaiser Guilherme II, que pendurou
no peito dele todos os tipos de condecorações que o IIº Reich
possuía, como a “Pour le Mérite”. A fama e a popularidade dele
espalhou-se inclusive entre os inimigos, fazendo com que em pouco tempo eles
também produzissem e promovessem os seus ases, como o piloto inglês “Mick”
Mannock (que abateu 61 alemães) e o francês René Paul Fonk (que vitimou 75
deles). O notável é que Richthofen, obediente aos códigos da
cavalaria, procurou preservar o tempo todo - em meio a barbárie
crescente dos combates em terra - , o céu como uma espécie de liça especial. O
azul dos amplos espaços era um lugar que ele pretendia manter afastado das
impurezas da guerra de trincheiras, no qual as regras cavalheirescas ainda
deviam ser seguidas à risca. Ele não admitia, por exemplo, depois do inimigo
ter sido atingido, persegui-lo até matá-lo. Despojando-o do avião em chamas,
neutralizado o inimigo, jamais atirava no piloto que saltasse de
pára-quedas ou que, depois em terra, estivesse tentado escapar-lhe. Não
foi, pois, sem razão que ele mantinha o posto de Rittmeister, isto é,
capitão de cavalaria, visto que no imaginário dele a velha arena medieval ainda
não sucumbira ao amoralismo e à total ausência à princípios éticos da
moderna guerra total.
O herdeiro
Quem seguiu-lhe as pistas de herói e
combatente extraordinário foi o seu sobrinho, o já citado Barão
Wolfram von Richthofen. Jovem piloto do Jagdgeschwader I, a esquadrilha de
caça, em 1918, ele conseguiu sobreviver a Primeira Guerra. Tornou-se, na
época da República de Weimar (1918-1933), um piloto de acrobacias,
entrando mais tarde para a Luftwaffe. Wolfram, fez uma carreira
espetacular como comandante na Guerra Civil Espanhola, ganhando o apelido de “O
Condor”, por liderar, como coronel, os esquadrões alemães que lutaram nos céus
de Madri, entre 1936-39, ao lado do general Franco. Ocasião em que, na franca
opinião dele, virtude da família, “lutamos do lado dos maus”.
No comando
do Fligerkorps VIII, Wolfram, alcançando o posto de general, fez as campanhas
da Polônia, da França e da Grã-Bretanha, sendo depois, em 1941, transferido
para o fronte soviético, participando da dura luta no Don e no baixo Volga, em
Stalingrado. Transferido para o fronte italiano em 1943, foi capturado pelos
americanos no fim da guerra, falecendo em 1945 devido a um sério derrame
cerebral. Com o desaparecimento dele foi-se o último integrante daquela
autêntica dinastia de pilotos de guerra da Alemanha do século 20.
Tópicos Relacionados
Nenhum comentário:
Postar um comentário