Márcio Sampaio de Castro
“Só temos de chutar a porta e toda a estrutura
podre desmoronará.” Com essas palavras, Adolf Hitler comunicava aos oficiais
superiores de seu Exército, em princípios de 1941, sua intenção de atacar a
União Soviética para destruir o comunismo e escravizar os povos eslavos que
formavam a república socialista. Em 22 de junho daquele ano, teve início a
Operação Barbarossa, uma gigantesca ação militar, envolvendo mais de 3 milhões
de homens, 3 580 veículos blindados, 7 mil peças de artilharia e milhares de
aviões.
Assim como fizera havia pouco mais de um ano com
franceses, belgas e holandeses, Hitler esperava esmagar os soviéticos em oito
semanas, empurrando as fronteiras do Reich para a cadeia montanhosa dos Urais,
já na fronteira com a Ásia. Uma confiança que era reforçada por outro fator
também enxergado como favorável à invasão. O expurgo patrocinado pelo líder
comunista, Josef Stalin, em 1937, quando foram executados quase 37 mil oficiais
de seu Exército, debilitara significativamente a cadeia de comando soviética,
tornando-a quase acéfala.
Dividido em três corpos, o Exército alemão avançou
de forma avassaladora sobre o território inimigo a uma velocidade média de 40
quilômetros por dia. Em três semanas de combate havia causado mais de 2 milhões
de baixas no Exército Vermelho, destruído 3,5 mil tanques e mais de 6 mil
aeronaves em seu caminho, rumo ao coração da nação inimiga. Na avaliação do
alto comando alemão, Moscou era a chave para a vitória. Por ser a capital,
constituía-se num importante entroncamento entre a Rússia europeia e a
asiática. Todas as redes de comunicação tinham ali seu centro nervoso e as
principais indústrias bélicas do país estavam estabelecidas em seus arredores.
Primeiro, a Ucrânia
Exatamente dois meses após o início da invasão,
Hitler convocou os oficiais de seu alto comando para comunicar-lhes uma nova
decisão: a conquista da Ucrânia e de sua capital, Kiev, deveria, a partir
daquele momento, ser considerada uma prioridade. Moscou ficaria para depois.
Para o Führer, a explicação era muito simples. A Ucrânia e seus oleodutos
serviam como um corredor para o Cáucaso, região produtora do petróleo, vital ao
esforço de guerra nazista. Além disso, seus vastos campos de trigo, soja e
milho alimentariam o Exército e o povo alemão por gerações. O plano era
simples.Valendo-se da mobilidade de suas colunas de tanques Panzer e do apoio
dos aviões da Luftwaffe, o exército Sul, um dos três corpos da invasão, deveria
cercar o Grupo de exército Budienny, nome que fazia menção a seu comandante,
marechal Semyon Budienny, e esmagá-lo com maciços bombardeios. Os soviéticos
tinham ordens para resistir até o último homem. Mesmo assim, por via das
dúvidas, desde o início de agosto, sob o comando do comissário Nikita Kruschev,
as instalações industriais vinham sendo desmontadas e enviadas por trem para a
Rússia asiática, onde eram remontadas e imediatamente incorporadas à indústria
bélica.
Enquanto os alemães se deslocavam em direção a
Kiev, recebidos como libertadores por boa parte da população ucraniana nas
vilas e aldeias com flores e pães, o chefe do Estado-Maior do Exército
Vermelho, Gheorghi Jukov, fazia insistentes apelos a Stalin para que a cidade
fosse abandonada. Indiferente, o ditador mantinha sua ordem geral: “Nenhum
passo para trás!”. Tanto o povo ucraniano como o líder soviético se
arrependeriam profundamente de suas ações.
Nos planos do marechal Budienny, a cidade de Kiev,
erigida às margens do rio Dnieper, deveria funcionar como o eixo da defesa
contra os agressores alemães na Ucrânia. Homens formaram um bolsão onde
esperavam deter o avanço nazista. Esse arranjo mostrou-se um erro tático do
marechal soviético, que serviria como senha para um dos maiores cercos da
história militar. Após vencer, entre o final de agosto e o início de setembro,
pequenas unidades mais afastadas da capital ucraniana, dois grupamentos
blindados do Exército alemão provenientes do norte e do sul se encontrariam em
16 de setembro atrás das linhas inimigas, completando o movimento de pinça que
haviam iniciado pouco mais de duas semanas antes.
Ao tomar ciência do movimento inimigo, em um de
seus ataques de cólera, Stalin destituiu Budienny. Para seu lugar nenhum
oficial foi nomeado, ficando cada unidade do Exército Vermelho por sua conta e
risco. Ao sobrevoar o bolsão representado pela cidade de Kiev, os comandantes
dos aviões da Luftwaffe assinalariam em seus relatórios que grandes colunas de
infantaria, massas de cavalaria, carros blindados e comboios de toda natureza
moviam-se de forma desordenada sob uma formidável nuvem de poeira. Sob uma
chuva de chumbo e pólvora, as unidades soviéticas iam se rendendo uma a uma.
Ao final do cerco, em 19 de setembro, mais de 650
mil homens se renderiam. Grande parte morreria de fome nos campos de detenção
improvisados pelos alemães no interior da Ucrânia, assim como muitos dos civis
que receberam com festa a chegada de seus supostos libertadores acabariam
fuzilados.
Para muitos dos soldados alemães, uma chuva fina e
persistente que caía desde o dia 3 de setembro passou despercebida. A Ucrânia
estava subjugada e o moral do Exército nazista subia às alturas, apesar do
atraso de um mês que a campanha ucraniana representara para a tomada de Moscou.
Já para os soviéticos, esse mês a mais possibilitou a organização das defesas
de sua capital. Quanto à chuva rala, eles sabiam que era o prenúncio do
rigoroso inverno que lhes ajudaria, matando milhares de alemães, como fizera
com os soldados de Napoleão no século 19, e impedindo mais uma vez na história
que a capital russa fosse conquistada por um exército estrangeiro.
“O Führer sempre tem razão”
No início de agosto de 1941, uma euforia tomava
conta de soldados que marchavam sobre a combalida União Soviética. Todos sabiam
que Moscou era o grande prêmio da conquista e esperavam passar o Natal daquele
ano guardando a entrada do Kremlin ou gozando suas licenças em casa com suas
famílias. Os atônitos soviéticos das regiões já conquistadas por muitas vezes
observaram intermináveis colunas de blindados e caminhões alemães cobertos com
a frase Nach Moskau (Para Moscou).
Mas os comandantes da linha de frente sabiam que o
Führer estava dividido entre Moscou, Leningrado e Kiev. No dia 23 daquele mês,
o general Franz Halder, chefe do Estado-Maior do Exército alemão, retornava
preocupado da retaguarda com a última decisão de Hitler: a prioridade era a
conquista da Ucrânia. A ofensiva contra Moscou seria adiada. Os generais que
comandavam a Operação Barbarossa sabiam que um desvio naquele momento
significaria ter de enfrentar os rigores do inverno russo ainda no campo de
batalha.
Reunidos para deliberar a respeito das novas
ordens, resolvem enviar para a Toca do Lobo, o bunker onde Hitler tomava suas
decisões na Prússia Oriental, o respeitado comandante de Panzers e teórico da
blitzkrieg, Heinz Guderian. Sua missão era convencer o líder nazista a mudar de
idéia e apostar todas as fichas em Moscou. Recebido na Toca por Hitler,
Guderian trava um breve e tenso debate com o Führer diante dos demais oficiais
do alto comando. Ao final, Hitler pergunta aos presentes qual dos dois tinha
razão. A plateia é unânime em apontá-lo como vencedor. “Primeiro a Ucrânia,
mein Führer!”.
Ao sair derrotado do salão de conferências Guderian
é abordado pelo colega Alfred Jodl, que a tudo assistira. “Não se aborreça,
Guderian. A intuição do Führer é infalível. Ele sempre tem razão...”.
No começo de dezembro, os nazistas chegaram a 18 km
do centro Moscou. Diziam conseguir enxergar as torres da Catedral de São
Basílio. Até que não podiam mais: o tempo fechou e a nevasca começou a cair. Em
5 de dezembro, os soviéticos lançam sua contra-ofensiva e, daí por diante, os
alemães só ficariam cada dia mais longe de seu objetivo.
Não é dar "spoiler" dizer como essa
história termina: num certo bunker, com certas cápsulas de cianureto.
A batalha de Kiev
Quem: URSS
X Alemanha
Quando: 25
de agosto a 19 de setembro de 1941
Onde: Ucrânia
Forças: URSS:
900 mil soldados / Alemanha: 500 mil soldados
Baixas: Alemanha:
150 mil mortos e feridos / URSS: 164 mil mortos e feridos e 650 mil
prisioneiros
Resultado: Vitória da Alemanha
Recepção dos "libertadores"
Ao menos no começo, pareceu a muitos ucranianos que
só tinham a ganhar com a invasão nazista. O país foi um dos que mais sofreu sob
o regime soviético, passando pelo Holodomor ("morte por fome")
perdendo entre 2 milhões até incríveis 12 milhões de seus 43 milhões de
habitantes para a fome causada pela coletivização agrícola imposta por Stalin.
Não bastasse isso, a Ucrânia é uma nação historicamente tentando se
desvencilhar do domínio imperial russo.
E, por fim, precisa ser dito, os ucranianos eram
virulentamente antissemitas. Era comum entre povos do leste europeu, mas
particularmente intenso entre eles. Pogrom - o linchamento massivo de judeus -
é uma palavra ucraniana (e russa) que quer dizer "demolir
violentamente". E a Ucrânia era a campeã mundial em massacres de judeus, o
que continuou até ser incorporada à União Soviética. Não deve ser surpresa
então que os pogrons voltaram a acontecer durante o domínio nazista.
Os ucranianos acabariam por se arrepender. Para os
nazistas, eslavos eram inferiores e destinados naturalmente à escravidão - o
que foi o que precisamente o que fizeram os "libertadores", forçando
os ucranianos a trabalharem para eles.
http://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/operacao-barbarossa-traicao-entre-tiranos.phtml#.WU5oM9IrLcs
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