Márcio Sampaio de Castro
Em abril de 1945, o mundo estava cansado da
carnificina que a Segunda Guerra Mundial espalhara ao redor do planeta ao longo
dos seis anos anteriores. Praticamente todos os países invadidos pelas
potências do Eixo já haviam sido libertados, o fascismo italiano dava seus
últimos suspiros, a Alemanha havia se transformado em um monte de escombros e
os Aliados marchavam sobre seu território, rumo a Berlim. Enquanto isso, no
Extremo Oriente, o império japonês preparava-se para lutar até o fim contra a
invasão inimiga, que se aproximava a passos largos.
O mês de março havia mostrado aos japoneses que
essa invasão era iminente. A pequena ilha de Iwo Jima, considerada solo sagrado
japonês, havia sido tomada pelos americanos, e o arquipélago de Ryukyu, a 1,2
mil quilômetros de distância da ilha de Kyushu, uma das três principais do
Japão, configurava-se como o próximo alvo da potência ocidental.
Na aurora do dia 1º de abril, uma impressionante
frota com mais de 1,2 mil navios de guerra, 183 mil homens e 750 mil toneladas
de equipamentos aguardava ao largo de Okinawa, a principal ilha do arquipélago
de Ryukyu, para iniciar o ataque que visava tornar o caminho para o Japão mais
curto. Pouco menos de um ano antes, a força de ataque à Normandia, na Europa,
considerada até então a maior operação de desembarque da guerra, havia colocado
em combate no primeiro dia 150 mil homens e 570 mil toneladas de equipamentos.
De um lado, os Estados Unidos buscavam encurtar a
rota de seus bombardeiros, que vinham sistematicamente atacando as cidades
nipônicas para enfraquecer o esforço de guerra inimigo e cortar suas
comunicações com a porção sul do continente asiático, de onde provinham suas
matérias-primas. De outro, os japoneses sabiam que não poderiam derrotar o
gigante industrial que estava cada vez mais próximo. Mas um lema se espalhava
entre seus combatentes: “Cada homem abatido deveria levar consigo dez
americanos; cada avião destruído, um navio”. Defender Okinawa significava
ganhar tempo para preparar as defesas do Japão metropolitano. Para isso, o
alto-comando designara o general Mitsuru Ushijima, que resolveu concentrar as
principais linhas defensivas de sua guarnição de 100 mil homens do 32º Exército
na montanhosa região sul da ilha.
Tempestade de aço
Para a surpresa dos invasores, o desembarque na
parte central da ilha, realizado após um impiedoso bombardeio promovido pelos
aviões e navios da frota, denominado pelos moradores como tetsu no bofu
(tempestade de aço), transcorreu sem que os japoneses disparassem um tiro
sequer. O plano dos atacantes era dividir a ilha em duas partes, ficando a
cargo do Corpo de Fuzileiros Navais a seção norte da ilha, enquanto as divisões
do Exército marchariam para o sul, ambas sob o comando do tenente-general Simon
Bolivar Buckner. Em apenas quatro dias os fuzileiros atingiram o extremo
setentrional. Ao final de um mês, não havia mais nenhum foco de resistência. As
atenções voltaram-se então para a porção sul da ilha, mais povoada e onde estão
as cidades de Shuri e Naha.
O terreno escarpado que envolvia as duas cidades
possibilitou aos homens do Exército imperial construir uma cadeia de
fortificações ligadas entre si por túneis escavados no interior das montanhas,
a linha Shuri. Se a antiga floresta tropical da superfície de Okinawa havia
dado lugar a uma desoladora paisagem após os bombardeios americanos, sob a
superfície verificava-se uma intensa atividade de militares e civis japoneses
preparados para surpreender seus inimigos.
Ao contrário do que ocorrera no início da invasão,
as tropas de Buckner começaram a sofrer pesadas perdas com a intrincada linha
de casamatas montada por seus oponentes. Sem poder contar com o apoio da
artilharia naval, que nada podia fazer contra as fortificações encravadas no
interior da ilha, os atacantes tinham de desabilitar os bunkers japoneses um a
um. A violência e a tensão chegaram a níveis tão elevados que 48% das baixas
americanas foram causadas por estresse de combate. Muitas vezes, ao atacar
esconderijos com seus lança-chamas e granadas, os soldados acabavam incinerando
famílias inteiras. Por sua vez, a propaganda japonesa havia plantado no
imaginário dos moradores de Okinawa que o inimigo iria violentar e torturar os
civis. Para não correr esse risco, muitos preferiam cometer suicídio.
Curiosa e tragicamente, a batalha teria, ao seu
fim, uma coincidência incomum na história das guerras modernas. Os oficiais
comandantes dos dois exércitos em combate morreriam antes do encerramento das
hostilidades. Quatro dias antes de eliminar a resistência japonesa na ilha,
Buckner foi atingido por estilhaços de granada, enquanto vistoriava a linha de
frente. Perto dali, em seu abrigo subterrâneo, o general Ushijima, acompanhado
por seu colega, general Isamu Cho, cometeria harakiri no último dia da batalha,
em 21 de junho de 1945. Junto ao corpo de Cho um epitáfio escrito de próprio
punho: “Cho, Isamu, tenente-general do Exército imperial japonês. Morro sem
arrependimento, sem medo, sem desonra e sem dívidas”.
Após 82 dias de sangrentos combates, os japoneses
haviam perdido o controle de mais uma ilha no Pacífico, mas sua determinação de
lutar até as últimas consequências mantinha-se inquebrantável. Para os Estados
Unidos, Okinawa servira para estabelecer sombrias estimativas de, no mínimo,
500 mil mortos no ataque final ao Japão. A aceleração do chamado Projeto
Manhattan configurava-se cada vez mais como uma necessidade. Para muitos
historiadores, a Batalha de Okinawa representou não só o último grande embate
da Segunda Guerra, mas também o impulso que faltava para o emprego da terrível
arma secreta desenvolvida pelo projeto. O Japão seria o primeiro país na
história a enfrentar os horrores da bomba atômica.
Mar de sangue
A Batalha de Okinawa marcou o último embate
aeronaval da Segunda Guerra Mundial. Depois de ajudar a derrotar os nazistas no
Atlântico Norte, a esquadra britânica pôde encaminhar uma força-tarefa para
auxiliar no processo de asfixia do império japonês. Uma combinação de navios
ingleses, canadenses, australianos e neozelandeses proporcionou 20% do poderio
aeronaval empregado nas operações de ataque à ilha.
Ao lado dos americanos, essa força-tarefa sofreria
os terrores do crescente e desesperado emprego por parte dos japoneses dos
kamikazes. Após a quase aniquilação de sua frota ao longo do ano anterior, o
Japão não podia mais se bater nos mares de igual para igual, como fizera em
Midway ou em Guadalcanal. Sua única alternativa era procurar causar pânico e o
máximo de danos aos inimigos com o emprego de aeronaves que se chocavam contra
as embarcações aliadas. Empregando uma variação de ataques suicidas e
bombardeios estratégicos, os japoneses conseguiriam, somente em 6 de abril de
1945, primeiro dia de sua ofensiva, afundar 60 embarcações inimigas.
O plano de batalha incluía o uso do supercouraçado
Yamato, um gigante veterano da guerra que tinha por missão aportar ao largo de
Okinawa e causar o máximo de destruição possível antes de ser afundado.
Detectada na saída do porto pelos submarinos Hackleback e Threadfin, a pequena
frota capitaneada pelo Yamato foi atacada pelas aeronaves dos porta-aviões da
Força-tarefa 58. Após uma hora e meia de bombardeios, o orgulho da frota
imperial explodiu e afundou, levando consigo 2,5 mil homens. A partir daí, a
guarnição de Okinawa estava entregue à própria sorte. Após seis dias de ofensiva,
os ataques japoneses começaram a rarear. No fundo do mar, milhares de homens de
ambos os lados acabaram encontrando seu túmulo. Eram os últimos movimentos da
guerra mais sangrenta de todos os tempos.
A batalha de Okinawa
Quem: Japão X EUA e aliados
Quando: 1º. de abril a 21 de junho de 1945
Onde: ilha de Okinawa, no Japão
Forças: Japão: 100 mil homens / Aliados: 548 mil homens
Baixas: Japão: 77 mil soldados mortos; entre civis, calcula-se que mais de 100 mil tenham morrido durante os combates; 1465 ataques kamikazes / Aliados: 12,5 mil mortos, incluindo 5 mil vítimas de ataques de kamikazes (que afundaram 79 navios)
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