12 junho 2017
O
país tem bons motivos para se sentir inseguro diante de um cenário bastante
instável, que inclui o autodenominado grupo Estado Islâmico no Oriente Médio e
conflitos correlatos forçando uma onda de imigração à Europa, o russo Vladimir
Putin fazendo antagonismo ao Ocidente, e Donald Trump questionando o papel da
Otan (aliança militar ocidental).
No
mês passado, a chanceler (premiê) do país, Angela Merkel, disse aos alemães que
eles "precisam lutar por seu futuro por si próprios como europeus".
Tropas da Alemanha foram enviadas a lugares como Afeganistão e Mali. E Merkel
prometeu aumentar os gastos do país com defesa.
Eles
veem seu Exército com desconfiança - atitude reforçada por um escândalo
recente. O envio de tropas ao exterior tem regras bastante rígidas na lei alemã
e no Parlamento. E, acima de tudo, as atitudes relacionadas a esse tema são
moldadas pela sombra da história.
A
Alemanha desmilitarizada foi tão bem-sucedida - e os alemães são tão sensíveis
sobre seu passado de guerra -, que o país mais poderoso da Europa hoje tende a
se manter um campo de batalha fraco.
Depois
da Segunda Guerra Mundial, houve um grande debate sobre se a Alemanha deveria
ou não ter forças armadas. Era preciso colocar um ponto final, argumentava-se,
nesse ciclo violento que começou com o militarismo da Prússia e terminou com os
crimes de guerra nazistas.
Enquanto
o lado comunista da Alemanha criou um "Exército do Povo", seguindo as
tradições militares do país, na Alemanha Ocidental democrática - ocupada pelo
Reino Unido, França e Estados Unidos - foi criado um serviço militar bem
diferente.
Chamado
"Bundeswehr", o Exército surgiu em meados dos anos 1950 e era uma
força militar deliberadamente modesta, que existia apenas para defender o
território da Alemanha Ocidental. Seus recrutas eram motivados a se enxergarem
apenas como "cidadãos com um uniforme".
Desconfiança
persistente
É
fato que o uniforme em si parecia mais um de motoristas de ônibus do que o de
um soldado do Exército, conforme descreve o historiador James Sheehan.
A
Alemanha Moderna, conta ele, "pensa sobre seu Exército da mesma maneira
que a maioria dos países pensa em suas polícias".
Sheehan
observa nos alemães uma "desconfiança persistente sobre as instituições
militares" que se mantém até hoje.
Além
disso, o Exército alemão remete às terríveis memórias dos horrores da Segunda
Guerra Mundial - não só pela vergonha nacional dos crimes nazistas, mas também
pela devastação que impactou milhões de civis.
Werner
Kraetschell, pastor protestante de uma antiga família de origem prussiana que
se tornou um capelão militar, cita os milhares de alemães que cresceram depois
da guerra sem ter um pai por perto, algo que moldou a percepção de muitas
pessoas a respeito da questão militar.
"Por
muito tempo, se você fosse um soldado (na Alemanha), não usaria seu uniforme no
trem (porque) passageiros te xingariam de 'assassino'", diz Sophia Besch,
especialista em questões militares do Centro de Reforma Europeia.
Desafios
de segurança
Quando
a Guerra Fria acabou e a Alemanha se reunificou, as pessoas acreditavam que a
paz estaria mais ou menos garantida. Mas o político democrata cristão e
ex-ministro da Defesa Franz Josef Jung diz que agora "a realidade nos
alcançou".
Ainda
assim, ele admite que "a população (atual alemã) tem uma atitude formada
mais pelo pacifismo".
Ele
acredita que a Alemanha precisa de novas políticas para "vencer os
desafios internos e externos sobre segurança."
Depois
da reunificação, a Alemanha começou a enviar tropas para outros países. Mas a
sensibilidade segue à flor da pele.
Em
2009, houve alegações de a Alemanha ter encoberto um ataque militar no
Afeganistão que causou mortes de civis. Jung foi forçado a renunciar ao cargo
de ministro, e até hoje qualquer envio de tropas passa por amplo escrutínio
parlamentar.
Relações
de tortura
Ao
mesmo tempo, a Alemanha aboliu o recrutamento e está se concentrando, como
outros exércitos modernos, em forças menores e especializadas.
Mas
a velha desconfiança sobre os militares ressurgiu no mês passado quando veio à
tona um escândalo evidenciando a presença de grupo da extrema direita no
Bundeswehr, promovendo celebrações de tradições nazistas e um plano para
assassinar pessoas que pediam refúgio no país.
Alguns
minimizaram a amplitude do caso, mas ele de qualquer maneira evidencia as
tensões entre o Bundeswehr e o povo alemão.
Agora,
há uma urgência real para o debate sobre o futuro militar na Alemanha.
O
discurso de Donald Trump dizendo que a Otan é "obsoleta" e seu
questionamento sobre "segurança coletiva" foi uma grande surpresa
para os alemães, segundo Bethold Kohler, editor do jornal alemão Frankfurter
Allgemeine Zeitung. "Ninguém poderia imaginar que o presidente
americano diria uma coisa dessas."
Kohler
defende que a Alemanha debata até mesmo adquirir suas próprias armas nucleares,
mas admite que isso é visto como algo impensável pela maioria de seus
compatriotas.
Enquanto
alguns se opõem a armas nucleares por princípio, muitos outros passaram décadas
vivendo confortavelmente sob o escudo nuclear dos Estados Unidos e da Otan.
"Ninguém esperava que teríamos que pensar sobre isso", explica
Kohler. E poucos alemães querem fazer isso agora.
Gastos
A
Alemanha atualmente gasta apenas 1,3% de seu PIB em defesa. "Nós temos um
enorme deficit comercial com a Alemanha e, além disso, eles pagam muito menos
do que deveriam para a Otan em questões militares", afirmou Donald Trump
recentemente pelo Twitter. "Isso é muito ruim para os Estados Unidos. E
isso vai mudar."
A
Alemanha vai resistir aos pedidos de Trump por mais gastos com defesa, mas esse
subfinanciamento tem sido um pouco embaraçoso em algumas situações, como por
exemplo na revelação de que durante um teste da Otan em 2014, um tanque do
Bundeswehr encobriu a falta de metralhadoras usando vassouras pintadas de
preto.
Até
onde Berlim irá com isso?
Werner
Kraetschell, que conhece Angela Merkel e o pensamento dela sobre a questão, diz
que ela quer "uma Alemanha forte, capaz de assumir responsabilidades
internacionais". Mas sua dificuldade é lidar com o povo alemão, que ainda
é bastante contra o Exército.
Talvez
os alemães sigam adiante com sua bem-sucedida experiência histórica e única,
ascendendo internacionalmente como potência sem esforços militares
significantes.
O
fato é que o passado ainda pesa muito para os alemães. Mas o que quer que
aconteça, também é sabido que não haverá uma ação violenta e pesada do país em
território estrangeiro. Em vez disso, os militares alemães vão pisar em ovos em
um futuro altamente incerto.
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Um comentário:
Pelo que me consta, o Bundeswehr só foi criado por exigência das potências ocidentais. Pelo gosto dos alemães, o país seria desmilitarizado e neutro. Os Japoneses, também esgotados pela Segunda Guerra Mundial, tem um sentimento semelhante.
É ridículo dizer que Putin hostiliza o ocidente. O único problema de Putin é que ele não se enquadra no único perfil que os americanos aprovam para líderes estrangeiros: o de vende-pátrias. Os americanos gostam de governantes que ponham os recursos naturais e as economias de seus países a serviços de interesses estadunidenses. Fazendo isso, pode-se roubar, matar e perseguir quem quiser.
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