Nascido em
1783, filho de uma família de crioulos venezuelanos riquíssimos, dona de terras
e de minas, o jovem Simón Bolívar foi enviado aos 16 anos de idade para a
Europa para aprimorar sua instrução. Esteve na corte de Madri e depois se
dirigiu para a Paris de Napoleão. Lá, em 1804, frequentou o salão de uma prima,
Fanny Dervieu de Villars, descendente dos Arisguieta da aristocracia crioula da
Venezuela, casada com um conde francês apaixonado por biologia.
Viúvo aos 19 anos, Bolívar
fazia então o papel do fidalgo estouvado, herdeiro de um potentado
latino-americano que gastava dinheiro a rodo pavoneando-se como um dândi
(firmou moda com o "chapéu a Bolívar", bem espetaculoso), dedicado a
cortejar todas as beldades parisienses que encontrava pela frente.
Quem fazia notável sucesso
social naquela ocasião era Alexandre von Humboldt, o barão prussiano que se
consagrara como viajante e naturalista de renome. Ele recém desembarcara na
França com seu companheiro André Bonplan, vindo de uma estadia de cinco anos
pelo Novo Mundo (1799-1804), desbravando rios, entrando em florestas e
escalando montanhas. Além disso, nominou ainda uns 400 vulcões e identificou
nas costas peruanas uma corrente marítima que levou seu nome: a corrente de
Humboldt.
Não havia salão de Paris que
não quisesse ouvir as façanhas dos dois cientistas, promovidos a cavalheiros da
natureza. Assim sendo, Humboldt - típico representante do nobre iluminista -
terminou por encontrar Bolívar numa das tantas recepções oferecidas pela prima
Fanny. Na ocasião, o venezuelano tinha 21 anos.
Humboldt e
Bolívar
Entre eles, deu-se, por assim dizer, uma amizade à primeira vista. Mais tarde, Bolívar deixaria dito que, devido ao seu trabalho científico, o alemão "foi o verdadeiro descobridor da América".
Num desses encontros, Humboldt
comentou que percebeu, por todos os lados em que andara no Vice-Reino da Nova
Granada (Venezuela, Colômbia e Equador) ou no Vice-Reino da Nova Espanha (o
México e os países da América Central de hoje), um enorme e sincero anseio dos
chefes crioulos e dos nativos em geral em se verem livres do domínio espanhol.
A questão da independência das
colônias, assegurou Humboldt, era coisa para qualquer hora. Todavia, ressalvou
o sábio alemão, a rebelião poderia demorar porque ele não vira por lá quem
pudesse encabeçar o levante contra Madri.
Talvez tal observação casual de
Humboldt tenha servido como um inesperado desafio ao jovem Bolívar que, até
então, somente demonstrara ser dono de um temperamento exaltado, romântico e
passional - uma energia em busca de uma causa.
É certo
que o preceptor dele, o impagável filósofo Simón Rodrigues, um peregrino da
liberdade seguidor de Rousseau, inculcara-lhe horror à tirania e amor desmedido
pela independência. Por igual, as duas margens do Atlântico foram violentamente
sacudidas pelo efeito da revolução norte-americana de 1776 e pela francesa de
1789, ambas influindo sobre aquele rapagão irrequieto. A isso, somaram-se as
tantas leituras que Bolívar fizera, devorando além de Rousseau e Voltaire, as
biografias de Plutarco sobre os grandes homens do passado greco-romano: Péricles,
Alexandre, César, os Gracos, e tantos outros mais.
Por
último, dominando inteiramente o cenário europeu, havia a magnifica
personalidade de Napoleão, o homem que do nada construíra um império, sozinho,
e que projetara sua imagem titânica sobre uma nova geração que surgia do
rescaldo da revolução de 1789 com grande sede de aventuras.
Por todos
os poros da Europa e do Novo Mundo brotavam rapazes que queriam "ser como
Napoleão".
O clima
de tensão, as batalhas memoráveis da revolução, o domínio do inesperado, tudo
isso serviu como entorno para que Bolívar, até então um jovem ricaço
inconsequente, um pavão vaidoso e petulante, viesse a se transformar no
Libertador.
O
juramento de Roma
Com um empréstimo que a prima Fanny lhe alcançou, Bolívar, com seu preceptor Simón Rodrigues e o amigo Francisco Rodrigues del Toro, rumou de Paris para uma longa viagem em direção à Itália. Percorreram o caminho tanto de diligência como com boas caminhadas. O trio de amigos levou 11 dias para atravessar os Alpes até chegar a Milão. Lá foram testemunhas da coroação de Napoleão como rei da Itália, ocasião em que, numa cerimônia militar impressionante, o general tomou para si a coroa de ferro dos monarcas lombardos (a mesma que encimara a cabeça de Ataúlfo).
Quando,
por fim, chegaram a Roma, hospedaram-se na Piazza di Spagna, bem perto da
famosa escadaria. Alugando um coche, os três passaram a fazer um tour pela
cidade até que, no dia 15 de agosto de 1805, passando pelos portões em direção
à periferia, avistaram o Monte Sacro. De imediato, veio à memória de Simón
Rodrigues o feito dos plebeus da cidade que, nos tempos da Roma Republicana, lá
haviam acampado em sinal de protesto. No ano de 494 a.C., liderados por Sicino
Belluto, o povo pobre da cidade de Roma manifestou sua desconformidade com as
injurias que sofria por parte dos patrícios, arrancando deles com uma longa
greve um conjunto de concessões. O Monte Sagrado onde Bolívar estava era, pois,
um local subversivo por excelência.
Ao cair
da tarde, tomado pela forte emoção que evocava o local histórico, ato de
desafio aos poderosos feito em época tão remota, Bolívar, olhando fixo para
Simón Rodrigues no momento em que o sol se punha, teria feito então o juramento
que iria comprometê-lo para o resto da sua vida:
¡Juro delante de usted; juro por el Dios de mis
padres; juro por ellos; juro por mi honor, y juro por mi Patria, que no daré
descanso a mi brazo, ni reposo a mi alma, hasta que haya roto las cadenas que
nos oprimen por voluntad del poder español!
Simón
Bolívar, O Juramento do Monte Sacro, Roma, 15/08/1805
Em
tradução livre: "Juro frente a ti: juro por Deus e meus pais, juro por
eles, juro pela minha honra e juro pela minha pátria, que não darei descanso ao
meu braço nem repouso a minha alma, até que tenha rompido as cadeias que nos
oprimem por vontade do poder espanhol!"
A partir
de então, e pelos 20 anos seguintes, todas as energias dele voltaram-se para a
nobre causa da libertação e independência do Novo Mundo.
Voltaire
recomenda:
Castro, Moacir Werneck de - O Libertador: a vida de Simón Bolívar. Rio de
Janeiro: Editora Rocco, 1988.
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