domingo, 9 de junho de 2013

[SGM] Os Soldados que estupraram a França

Guy Walters

 


O soldado simpático americano era o décimo cliente de Elizabeth aquela tarde. Trabalhando em seu negócio na cobertura de um prédio velho em Paris, ela sentia que tinha visto de tudo.

Nos últimos quatro anos, os homens haviam sido os alemães, e agora, desde que a cidade foi libertada em agosto de 1944, eram os americanos. Fazia pouca diferença.

Elizabeth mostrou três dedos de sua mão para indicar o preço de seu corpo – trezentos francos.

“Muito,” disse o soldado.

Elizabeth suspirou. Ela já tinha visto isso antes. Cansada, ela manteve os três dedos erguidos, quase como um insulto.

Não houve negociação – trezentos era tão pouco quanto parecia.

“Duzentos,” o soldado insistiu.

“Não,” disse Elizabeth. “Trezentos ou nada.”

O soldado se aproximou dela com ódio em seus olhos. Elizabeth deu um passo atrás, começando a sentir medo.

“Neste caso,” disse o soldado, “é nada.”

O soldado então colocou suas mãos pesadas no pescoço de Elizabeth e começou a apertar. Ela lutou o tanto quanto pode, se debatendo, mas foi em vão.

Após um minuto, ela apagou, seu corpo sem vida caindo sobre os lençóis molhados. O soldado então calmamente retirou suas roupas e fez sexo com ela. De graça.

Em seguida, ele vasculhou as coisas de Elizabeth e roubou seu dinheiro e joias. Então, ele saiu do prédio, encontrou outra prostituta e a levou para jantar e cinema.

Para o GI, foi uma noite proveitosa. Paris era aquilo o que eles costumavam dizer.

Mesmo para os padrões de guerra, isto foi particularmente um episódio repugnante. Mas enquanto os assassinos bárbaros eram extremamente raros, um novo livro revela que a violação de mulheres pelos soldados americanos, que foram enviados à Europa para libertar e ajudar, foi mais comum do que é pensado comumente.

É claro, é um horrível fato da guerra que soldados estuprem mulheres das terras que eles conquistam.

Muitos soldados – mas não certamente todos – veem as mulheres como espólio justo, algo que eles merecem após terem lutado contra seus maridos, pais e filhos.

O estupro é também um modo pelo qual uma nação diz que detém o domínio sobre outra.

Podemos ter suas mulheres, o estupro diz, e não há nada que você possa fazer já que estamos no comando.

Muitos milhares de mulheres e meninas alemãs, por exemplo, foram estupradas por soldados russos na batalha de Berlim no final da Segunda Guerra Mundial.

Até hoje, nós nas nações dos antigos Aliados Ocidentais tendíamos a lembrar do estupro como algo realizado por outros países.

Através de filmes como “O resgate do soldado Ryan” e “O mais longo dos dias”, somos condicionados a pensar nos soldados aliados como incapazes de realizar tais atos.

Entretanto, um novo livro explosivo publicado por uma pesquisadora americana derruba sensacionalmente este mito.

Em “O que os soldados fazem”, a professora Mary Louise Roberts, da Universidade de Wisconsin argumenta que os GIs americanos cometeram estupros milhares de vezes durante a guerra. E, surpreendentemente, muitas de suas vítimas eram francesas.

Como a professora Roberts diz: “meu livro procura acabar com o mito sobre os GIs, pensados principalmente como soldados-cidadãos que comportavam-se bem. Os GIs faziam sexo em todos os lugares.”

No total, é estimado que 14.000 mulheres tenham sido estupradas por GIs na Europa Ocidental de 1942 a 1945. Na França, 152 soldados americanos foram julgados por estupro, dos quais 29 foram enforcados.

Mas as estatísticas não revelam a estória completa. Houve indubitavelmente milhares de estupros na França, muitos dos quais não foram registrados pelas vítimas, que temiam o estigma injusto que o estupro carregava naqueles dias.

Mas por que os americanos estupraram seus aliados? Para o GI médio, a França era muito mais uma “aventura erótica” que uma expedição militar, e que a guerra era, em parte, “vendida” aos recrutas como uma oportunidade de encontrar mulheres francesas atraentes.

Muitos dos pais dos soldados estiveram na França durante a Primeira Guerra Mundial, e voltaram com contos exagerados da suposta perdição das mulheres francesas.

Seus filhos, agora lutando na mesma terra, lembravam da França como essencialmente um gigantesco puteiro, com milhares de garotas francesas ninfomaníacas loucas para serem pegas pelos GIs.

Como a professora Roberts observa corretamente, o GI médio “não tinha nenhuma ligação emocional com o povo francês ou com a causa de sua libertação.”

As revistas visavam as tropas, como o The Star and Stripes, mostrando fotos de mulheres alegres saudando durante paradas de libertação, acompanhadas de títulos como “É por isso que estamos lutando.”

A revista chegou mesmo a publicar frases francesas “úteis”, como as traduções para “Eu não sou casado” e “Você tem olhos encantadores”.

Era quase como se a revista estivesse dizendo aos GIs: cheguem e vão direto, rapazes.

E foi exatamente isso o que eles fizeram. Ao longo do verão de 1944, do momento em que eles afastaram os alemães durante o desembarque do Dia-D em junho, os americanos libertaram pelo norte da França, nas palavras da professora Roberts, um “tsunami de luxúria masculina.”

“As mulheres da Normandia lançaram uma onda de acusações de estupro contra os soldados americanos,” escreve Roberts, “ameaçando destruir a fantasia erótica no coração da operação. O espectro do estupro transformou o GI do guerreiro libertador em um intruso violento.”

Particularmente mal afetado foi o porto de Le Havre. Um cidadão escreveu ao prefeito da cidade, Pierre Voisin, reclamando dos “crimes de todos os tipos, cometidos dia e noite.”

O autor diz que os Gis “atacavam, roubavam... tanto nas ruas quanto em nossas casas” e era essencialmente “um regime de terror, imposto por bandidos em uniformes.”

Mas o maior problema era o sexo. Os GIs estavam copulando com toda mulher francesa que eles conseguissem em suas mãos, desejosa ou não, e o pior de tudo, eles o estavam fazendo em público.

“Estas coisas estão acontecendo à luz do dia em frente de nossas crianças ou outras pessoas que estejam próximas,” disse um civil.

Muitos bordéis improvisados foram estabelecidos pelas mulheres francesas desesperadas por dinheiro. Em uma das casas, os soldados faziam fila nas escadas.

“Eles urinam nas paredes e nas salas,” uma testemunha notou com repugnância, “e eles atacam qualquer mulher que esteja vivendo lá.”

O que tornou as coisas piores para os franceses era que os americanos eram os mesmos soldados que haviam devastado suas cidades com bombardeio aéreo e de artilharia.

Muitos franceses sentiam – com muita justificativa – que suas cidades foram destruídas inutilmente numa demonstração de masculinidade do poder de fogo americano.

Cerca de 20.000 civis foram mortos na Batalha da Normandia, e em Le Havre somente, 3.000 pessoas morreram.

Funcionários revoltados afirmaram que enquanto milhares de franceses mortos foram enterrados em entulhos, não mais do dez corpos alemães foram encontrados.

Com os estupros e o bombardeio, foi portanto compreensível que alguns franceses pensaram se eles realmente foram “libertados”.

Os americanos, lembrou um membro da Resistência, “marcaram sua reputação comportando-se como se eles tivessem conquistado o país.” Alguns mesmo lembravam esta “segunda ocupação” como sendo pior do que a primeira.

“A França para os americanos – assim como para os alemães – é Paris e mulheres,” observou outro francês, notando que havia pouca diferença entre o GI médio e o soldado alemão médio (n. do. T: chamado de Boche).

As mulheres francesas que trabalhavam como prostitutas chegavam mesmo a lembrar de seus clientes alemães com carinho. Os GIs, parecia, queriam mais do que apenas sexo.

“Você tinha que manter o olho em sua bolsa com aqueles bastardos,” lembrou uma mulher. “É triste dizer isso, mas senti saudades dos Fritzes, que eram mais cavalheiros com as mulheres. Eu não fui a única a dizer isso; todas as mulheres pensavam da mesma maneira que eu, somente que não costumávamos dizê-lo.”

Algumas prostitutas foram mesmo assassinadas por GIs. Além de Elisabeth em paris, uma outra foi esfaqueada 29 vezes no abdômen, enquanto que uma mulher chamada Marie foi morta por se recusar ser sodomizada.

Boatos apareceram contando estórias horríveis, incluindo a de uma garota que foi retalhada até a morte e então estuprada.

Aos olhos de muitos GIs, as mulheres francesas eram um pouco mais do que cigarros – algo que você consegue em suas rações e pode compartilhar entre os colegas. Não é de surpreender que as doenças venéreas eram comuns, mas os líderes americanos estavam mais preocupados com a saúde de “nossos garotos” e com a possibilidade deles infectarem suas amadas no lar, ao invés da saúde das mulheres francesas.

As clínicas ficaram lotadas de mulheres sofrendo de doenças venéreas, e muitas foram enviadas a hospitais que sequer possuíam leitos para elas.

“Uma população sem-teto e rejeitada de mulheres infectadas ficou vagando de uma cidade para outra,” escreve a professora Roberts, “estas prostitutas representavam o legado da ocupação americana da Normandia.”

Mas o pior legado foi, sem dúvida, o estupro. O mais chocante é que as autoridades americanas fizeram pouco sobre isso.

Apesar de panfletos educacionais intitulados “Vamos ficar de olho nos Estupros” fossem distribuídos, eles não fizeram nada para diminuir o assalto sexual dos GIs contra aqueles que supostamente estavam sendo libertados da opressão.

Entretanto, alguma justiça era necessária, mas mesmo o processo foi profundamente desvirtuado. Dos meros 152 homens que foram julgados por estupro, 139 dos réus eram negros.

Parecia que o exército Americano estava ansioso em tratar os soldados negros como bodes expiatórios e rotulá-los como sendo “hipersexuais” e portanto, mais parecidos como estupradores.

Cortes marciais eram frequentemente um pouco mais do que tribunais cangurus, com homens enviados à forca com fracas evidências, e julgados por oficiais com pouco ou nenhum treinamento jurídico.

As vítimas francesas eram solicitadas a identificar seus violadores a partir de batalhões inteiros de soldados negros, apesar de frequentemente os estupros terem sido levados a cabo em salas que eram pouco iluminadas.

Além disso, outra verdade intragável é que muitas mulheres francesas eram tão racistas quanto os oficiais americanos.

Medos de algum tipo de “terror negro” foi liberado entre as mulheres na Normandia amplamente, e era muito fácil relacionar um crime a um soldado negro ao invés de um branco.

Ademais, algumas mulheres francesas reclamaram terem sido estupradas ao invés de admitir que elas queriam fornicar, e algumas prostitutas ameaçariam uma acusação de estupro no sentido de extorquir mais dinheiro de um GI.

A liberação de seu país foi, portanto, um assunto agridoce para os franceses.

Os crimes perpetrados pelos americanos contra as mulheres também afetou profundamente os homens franceses, que se sentiram diminuídos pelos americanos.

Eles eram maiores, mais fortes, ricos e saudáveis e não haviam passado anos sendo subjugados e forçados a servir sob o jugo alemão.

Apesar disso, gostamos de pensar nos homens que libertaram a Europa como membros da “grande geração” e que os Aliados lutaram uma “boa guerra”, como a professora Roberts mostra, mas a estória real é muito mais complicada e perturbadora.

Mesmo hoje, há mulheres idosas do outro lado do Canal que fecham seus olhos quando elas ouvem a palavra “libertação”.     

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