O
soldado simpático americano era o décimo cliente de Elizabeth aquela tarde.
Trabalhando em seu negócio na cobertura de um prédio velho em Paris, ela sentia
que tinha visto de tudo.
Nos
últimos quatro anos, os homens haviam sido os alemães, e agora, desde que a
cidade foi libertada em agosto de 1944, eram os americanos. Fazia pouca
diferença.
Elizabeth
mostrou três dedos de sua mão para indicar o preço de seu corpo – trezentos francos.
“Muito,”
disse o soldado.
Elizabeth
suspirou. Ela já tinha visto isso antes. Cansada, ela manteve os três dedos
erguidos, quase como um insulto.
Não
houve negociação – trezentos era tão pouco quanto parecia.
“Duzentos,”
o soldado insistiu.
“Não,”
disse Elizabeth. “Trezentos ou nada.”
O
soldado se aproximou dela com ódio em seus olhos. Elizabeth deu um passo atrás,
começando a sentir medo.
“Neste
caso,” disse o soldado, “é nada.”
O
soldado então colocou suas mãos pesadas no pescoço de Elizabeth e começou a
apertar. Ela lutou o tanto quanto pode, se debatendo, mas foi em vão.
Após
um minuto, ela apagou, seu corpo sem vida caindo sobre os lençóis molhados. O
soldado então calmamente retirou suas roupas e fez sexo com ela. De graça.
Em
seguida, ele vasculhou as coisas de Elizabeth e roubou seu dinheiro e joias.
Então, ele saiu do prédio, encontrou outra prostituta e a levou para jantar e cinema.
Para
o GI, foi uma noite proveitosa. Paris era aquilo o que eles costumavam dizer.
Mesmo
para os padrões de guerra, isto foi particularmente um episódio repugnante. Mas
enquanto os assassinos bárbaros eram extremamente raros, um novo livro revela
que a violação de mulheres pelos soldados americanos, que foram enviados à
Europa para libertar e ajudar, foi mais comum do que é pensado comumente.
É
claro, é um horrível fato da guerra que soldados estuprem mulheres das terras
que eles conquistam.
Muitos
soldados – mas não certamente todos – veem as mulheres como espólio justo, algo
que eles merecem após terem lutado contra seus maridos, pais e filhos.
O
estupro é também um modo pelo qual uma nação diz que detém o domínio sobre
outra.
Podemos
ter suas mulheres, o estupro diz, e não há nada que você possa fazer já que estamos
no comando.
Muitos
milhares de mulheres e meninas alemãs, por exemplo, foram estupradas por
soldados russos na batalha de Berlim no final da Segunda Guerra Mundial.
Até
hoje, nós nas nações dos antigos Aliados Ocidentais tendíamos a lembrar do
estupro como algo realizado por outros países.
Através
de filmes como “O resgate do soldado Ryan” e “O mais longo dos dias”, somos
condicionados a pensar nos soldados aliados como incapazes de realizar tais
atos.
Entretanto,
um novo livro explosivo publicado por uma pesquisadora americana derruba
sensacionalmente este mito.
Em
“O que os soldados fazem”, a professora Mary Louise Roberts, da Universidade de
Wisconsin argumenta que os GIs americanos cometeram estupros milhares de vezes
durante a guerra. E, surpreendentemente, muitas de suas vítimas eram francesas.
Como
a professora Roberts diz: “meu livro procura acabar com o mito sobre os GIs,
pensados principalmente como soldados-cidadãos que comportavam-se bem. Os GIs faziam
sexo em todos os lugares.”
No
total, é estimado que 14.000 mulheres tenham sido estupradas por GIs na Europa
Ocidental de 1942 a 1945. Na França, 152 soldados americanos foram julgados por
estupro, dos quais 29 foram enforcados.
Mas
as estatísticas não revelam a estória completa. Houve indubitavelmente milhares
de estupros na França, muitos dos quais não foram registrados pelas vítimas,
que temiam o estigma injusto que o estupro carregava naqueles dias.
Mas
por que os americanos estupraram seus aliados? Para o GI médio, a França era
muito mais uma “aventura erótica” que uma expedição militar, e que a guerra
era, em parte, “vendida” aos recrutas como uma oportunidade de encontrar
mulheres francesas atraentes.
Muitos
dos pais dos soldados estiveram na França durante a Primeira Guerra Mundial, e
voltaram com contos exagerados da suposta perdição das mulheres francesas.
Seus
filhos, agora lutando na mesma terra, lembravam da França como essencialmente
um gigantesco puteiro, com milhares de garotas francesas ninfomaníacas loucas
para serem pegas pelos GIs.
Como
a professora Roberts observa corretamente, o GI médio “não tinha nenhuma
ligação emocional com o povo francês ou com a causa de sua libertação.”
As
revistas visavam as tropas, como o The
Star and Stripes, mostrando fotos de mulheres alegres saudando durante
paradas de libertação, acompanhadas de títulos como “É por isso que estamos
lutando.”
A
revista chegou mesmo a publicar frases francesas “úteis”, como as traduções
para “Eu não sou casado” e “Você tem olhos encantadores”.
Era
quase como se a revista estivesse dizendo aos GIs: cheguem e vão direto,
rapazes.
E
foi exatamente isso o que eles fizeram. Ao longo do verão de 1944, do momento
em que eles afastaram os alemães durante o desembarque do Dia-D em junho, os
americanos libertaram pelo norte da França, nas palavras da professora Roberts,
um “tsunami de luxúria masculina.”
“As
mulheres da Normandia lançaram uma onda de acusações de estupro contra os
soldados americanos,” escreve Roberts, “ameaçando destruir a fantasia erótica
no coração da operação. O espectro do estupro transformou o GI do guerreiro
libertador em um intruso violento.”
Particularmente
mal afetado foi o porto de Le Havre. Um cidadão escreveu ao prefeito da cidade,
Pierre Voisin, reclamando dos “crimes de todos os tipos, cometidos dia e noite.”
O
autor diz que os Gis “atacavam, roubavam... tanto nas ruas quanto em nossas
casas” e era essencialmente “um regime de terror, imposto por bandidos em
uniformes.”
Mas
o maior problema era o sexo. Os GIs estavam copulando com toda mulher francesa
que eles conseguissem em suas mãos, desejosa ou não, e o pior de tudo, eles o
estavam fazendo em público.
“Estas
coisas estão acontecendo à luz do dia em frente de nossas crianças ou outras
pessoas que estejam próximas,” disse um civil.
Muitos
bordéis improvisados foram estabelecidos pelas mulheres francesas desesperadas
por dinheiro. Em uma das casas, os soldados faziam fila nas escadas.
“Eles
urinam nas paredes e nas salas,” uma testemunha notou com repugnância, “e eles
atacam qualquer mulher que esteja vivendo lá.”
O
que tornou as coisas piores para os franceses era que os americanos eram os
mesmos soldados que haviam devastado suas cidades com bombardeio aéreo e de
artilharia.
Muitos
franceses sentiam – com muita justificativa – que suas cidades foram destruídas
inutilmente numa demonstração de masculinidade do poder de fogo americano.
Cerca
de 20.000 civis foram mortos na Batalha da Normandia, e em Le Havre somente,
3.000 pessoas morreram.
Funcionários
revoltados afirmaram que enquanto milhares de franceses mortos foram enterrados
em entulhos, não mais do dez corpos alemães foram encontrados.
Com
os estupros e o bombardeio, foi portanto compreensível que alguns franceses
pensaram se eles realmente foram “libertados”.
Os
americanos, lembrou um membro da Resistência, “marcaram sua reputação comportando-se
como se eles tivessem conquistado o país.” Alguns mesmo lembravam esta “segunda
ocupação” como sendo pior do que a primeira.
“A
França para os americanos – assim como para os alemães – é Paris e mulheres,”
observou outro francês, notando que havia pouca diferença entre o GI médio e o
soldado alemão médio (n. do. T: chamado de Boche).
As
mulheres francesas que trabalhavam como prostitutas chegavam mesmo a lembrar de
seus clientes alemães com carinho. Os GIs, parecia, queriam mais do que apenas
sexo.
“Você
tinha que manter o olho em sua bolsa com aqueles bastardos,” lembrou uma
mulher. “É triste dizer isso, mas senti saudades dos Fritzes, que eram mais
cavalheiros com as mulheres. Eu não fui a única a dizer isso; todas as mulheres
pensavam da mesma maneira que eu, somente que não costumávamos dizê-lo.”
Algumas
prostitutas foram mesmo assassinadas por GIs. Além de Elisabeth em paris, uma
outra foi esfaqueada 29 vezes no abdômen, enquanto que uma mulher chamada Marie
foi morta por se recusar ser sodomizada.
Boatos
apareceram contando estórias horríveis, incluindo a de uma garota que foi
retalhada até a morte e então estuprada.
Aos
olhos de muitos GIs, as mulheres francesas eram um pouco mais do que cigarros –
algo que você consegue em suas rações e pode compartilhar entre os colegas. Não
é de surpreender que as doenças venéreas eram comuns, mas os líderes americanos
estavam mais preocupados com a saúde de “nossos garotos” e com a possibilidade
deles infectarem suas amadas no lar, ao invés da saúde das mulheres francesas.
As
clínicas ficaram lotadas de mulheres sofrendo de doenças venéreas, e muitas
foram enviadas a hospitais que sequer possuíam leitos para elas.
“Uma
população sem-teto e rejeitada de mulheres infectadas ficou vagando de uma
cidade para outra,” escreve a professora Roberts, “estas prostitutas representavam
o legado da ocupação americana da Normandia.”
Mas
o pior legado foi, sem dúvida, o estupro. O mais chocante é que as autoridades
americanas fizeram pouco sobre isso.
Apesar
de panfletos educacionais intitulados “Vamos ficar de olho nos Estupros” fossem
distribuídos, eles não fizeram nada para diminuir o assalto sexual dos GIs
contra aqueles que supostamente estavam sendo libertados da opressão.
Entretanto,
alguma justiça era necessária, mas mesmo o processo foi profundamente desvirtuado.
Dos meros 152 homens que foram julgados por estupro,
139 dos réus eram negros.
Parecia
que o exército Americano estava ansioso em tratar os soldados negros como bodes
expiatórios e rotulá-los como sendo “hipersexuais” e portanto, mais parecidos
como estupradores.
Cortes
marciais eram frequentemente um pouco mais do que tribunais cangurus, com
homens enviados à forca com fracas evidências, e julgados por oficiais com
pouco ou nenhum treinamento jurídico.
As
vítimas francesas eram solicitadas a identificar seus violadores a partir de
batalhões inteiros de soldados negros, apesar de frequentemente os estupros
terem sido levados a cabo em salas que eram pouco iluminadas.
Além disso, outra verdade intragável é que muitas mulheres francesas eram tão racistas quanto os oficiais americanos.
Medos
de algum tipo de “terror negro” foi liberado entre as mulheres na Normandia
amplamente, e era muito fácil relacionar um crime a um soldado negro ao invés
de um branco.
Ademais,
algumas mulheres francesas reclamaram terem sido estupradas ao invés de admitir
que elas queriam fornicar, e algumas prostitutas ameaçariam uma acusação de
estupro no sentido de extorquir mais dinheiro de um GI.
A
liberação de seu país foi, portanto, um assunto agridoce para os franceses.
Os
crimes perpetrados pelos americanos contra as mulheres também afetou
profundamente os homens franceses, que se sentiram diminuídos pelos americanos.
Eles
eram maiores, mais fortes, ricos e saudáveis e não haviam passado anos sendo
subjugados e forçados a servir sob o jugo alemão.
Apesar
disso, gostamos de pensar nos homens que libertaram a Europa como membros da “grande
geração” e que os Aliados lutaram uma “boa guerra”, como a professora Roberts
mostra, mas a estória real é muito mais complicada e perturbadora.
Mesmo
hoje, há mulheres idosas do outro lado do Canal que fecham seus olhos quando
elas ouvem a palavra “libertação”.
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