New York Times, 19/06/2013
Mas
no Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, o conto de suas façanhas heroicas
está sendo removido de uma exibição após funcionários descobrirem novas
evidências sugerindo que, longe de ser um herói, ele era um colaborador nazista
entusiasmado, envolvido na deportação de judeus para Auschwitz.
Uma
carta enviada este mês ao diretor do museu pelo Centro Primo Levi no Centro
para História Judaica em Nova York diz que uma pesquisa realizada por mais de
uma dúzia de pesquisadores que revisaram quase 700 documentos, concluiu que por
seis anos, Palatucci foi “um executor desejoso da legislação racial e – após fazer
o juramento à República Social de Mussolini, colaborou com os nazistas.”
A
carta dizia que registros alemães e italianos não forneceram nenhuma evidência
que ele tenha ajudado os judeus durante a guerra e que a primeira menção
somente apareceu anos mais tarde, em 1952. Os pesquisadores também encontraram
documentos que mostram que Palatucci ajudou os alemães a identificar os judeus
para a prisão.
Não
existe nenhuma explicação convincente de como o relato do heroísmo de Palatucci
apareceu, mas alguns especialistas dizem que sua persistência se deve muito à
situação da Itália após a Segunda Guerra Mundial. Os pesquisadores dizem que a
nova evidência apareceu em anos recentes à medida que eles tiveram acesso aos
documentos. O objetivo de sua pesquisa, eles dizem, era compreender o papel de
Fiume, a cidade onde Palatucci trabalhava, como terreno fértil para o fascismo;
os documentos que detonaram o relato do heroísmo abnegado de Palatucci foram um
subproduto daquela investigação.
Palatucci
tem recebido o crédito por ter salvado milhares de judeus entre 1940 e 1944
enquanto ele era chefe de polícia em Fiume, uma cidade portuária adriática que
era considerada o primeiro símbolo do novo Império Fascista da Itália. (Ela é
agora chamada de Rijeka e é parte da Croácia.) Quando os nazistas ocuparam a
cidade em 1943, por exemplo, era dito que Palatucci destruiu os registros para
prevenir que os alemães enviassem os judeus de Fiume para os campos de
concentração. Sua própria morte aos 35 anos no campo de Dachau parecia
corroborar seu valor.
Mas
Natalia Indrimi, a diretora executiva do Centro Primo Levi, disse que os
historiadores foram capazes de revisar aqueles supostamente registros
destruídos nos Arquivos Públicos de Rijeka.
O
que eles mostram, disse a Dra. Indrimi, que coordenou a pesquisa, é que Fiume
tinha somente 500 judeus em 1943, e que a maioria deles – 412, ou cerca de 80%
- acabou em Auschwitz, a maior porcentagem em relação a outras cidades
italianas. A pesquisa sobre Palatucci descobriu que ao invés de ser chefe da
polícia, ele era vice-comissário responsável por impor as leis raciais da
Itália Fascista. Além disso, sua deportação para Dachau em 1944 não estava
relacionada ao salvamento de judeus mas às acusações alemãs de corrupção e traição
por passar planos para a independência de Fiume no pós-guerra aos britânicos.
O
relatório diz que é possível que Palatucci tenha ajudado algumas pessoas,
apesar de não estar certo se ele fez isso por ordens superiores.
A
Dra. Indrimi disse que “o mito” acerca de Palatucci começou em 1952, quando seu
tio, o Bispo Giuseppe Maria Palatucci, usou a estória para convencer o governo
italiano a dar uma pensão aos pais de Palatucci. O relato, ela disse, ganhou
impulso porque parecia melhorar a reputação do Papa Pio XII, que é acusado por
grupos judeus de ter sido indiferente ao genocídio.
“Se
ele representa alguma coisa é o silêncio, a ideologia e o cumprimento de muitos
jovens italianos que abraçaram entusiasticamente Mussolini em seus últimos passos
desastrosos,” escreveu a Dra. Indrimi em sua carta ao Museu Memorial do
Holocausto dos Estados Unidos. Alguma evidência foi apresentada em uma
conferência na Universidade de Nova York ano passado.
Talvez
o maior reconhecimento que Palatucci recebeu foi sua nomeação em 1990 pelo Yad
Vashem, o memorial de Israel para o Holocausto, como um dos Justos entre as Nações – uma honra
concedida àqueles que resgataram judeus, e que inclui Oskar Schindler, o empresário
alemão que ajudou 1.200 judeus a evitar os campos de extermínio.
Após
receber o relatório dos historiadores, o Yad Vashem disse que ele “começou o
processo de exame profundo dos documentos,” escreveu Estee Yaari, porta-voz da
mídia estrangeira, por e-mail.
A
narrativa do heroísmo de palatucci tornou-se assunto de artigos, livros e um
filme para televisão. No último mês, a Associação Giovanni Palatucci deu crédito
à sua intervenção sobrenatural no milagroso desaparecimento do tumor de rim de
um homem como parte de uma ação para promover sua santidade.
A
Liga Anti-Difamação (ADL) premiou Palatucci com sua Medalha da Coragem para
Cuidar em 18 de maio de 2005, o que fez com que o prefeito Michael Bloomberg
declarasse, por sua vez, o Dia da Coragem para Cuidar Giovanni Palatucci. A
Fundação Internacional Raoul Wallenberg criou um hino para ele em seu sítio da
internet.
Cerca
de 9.000 judeus foram deportados da Itália durante a Segunda Guerra Mundial.
Mas os especialistas notaram que, apesar dos 45.000 judeus na Itália terem sido
perseguidos, a maioria sobreviveu à guerra.
Alexander
Stille, um professor da faculdade de jornalismo na Universidade de Columbia,
que revisou alguns dos documentos, disse que o caso de Palatucci foi o
resultado de três instituições poderosas, todas com interesse em promover o que
parecia ser um conto heroico: “O governo italiano estava ansioso em se
reabilitar e mostrar que eles eram melhores e mais humanos que seus aliados
nazistas. A Igreja Católica estava ansiosa em contar uma estória positiva sobre
o papel da Igreja durante a guerra e o Estado de Israel estava ansioso em
promover a ideia de não-judeus corretos e contar estórias de pessoas comuns
decentes que ajudaram a salvar judeus comuns.”
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