sábado, 22 de junho de 2013

[HOL] Italiano salvador de judeus é agora visto como colaborador nazista

Patricia Cohen

New York Times, 19/06/2013

 
Ele foi chamado de “o Schindler italiano”, recebendo o crédito por ter ajudado a salvar 5.000 judeus durante o Holocausto. Giovanni Palatucci, um policial na guerra, recebeu honras em Israel, em Nova York e na Itália, onde praças e parques foram nomeados em sua homenagem, e no Vaticano, o Papa João Paulo II o declarou um mártir, um passo importante para a santidade.

 Giovanni Palatucci

Mas no Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, o conto de suas façanhas heroicas está sendo removido de uma exibição após funcionários descobrirem novas evidências sugerindo que, longe de ser um herói, ele era um colaborador nazista entusiasmado, envolvido na deportação de judeus para Auschwitz.

Uma carta enviada este mês ao diretor do museu pelo Centro Primo Levi no Centro para História Judaica em Nova York diz que uma pesquisa realizada por mais de uma dúzia de pesquisadores que revisaram quase 700 documentos, concluiu que por seis anos, Palatucci foi “um executor desejoso da legislação racial e – após fazer o juramento à República Social de Mussolini, colaborou com os nazistas.”

A carta dizia que registros alemães e italianos não forneceram nenhuma evidência que ele tenha ajudado os judeus durante a guerra e que a primeira menção somente apareceu anos mais tarde, em 1952. Os pesquisadores também encontraram documentos que mostram que Palatucci ajudou os alemães a identificar os judeus para a prisão.

Não existe nenhuma explicação convincente de como o relato do heroísmo de Palatucci apareceu, mas alguns especialistas dizem que sua persistência se deve muito à situação da Itália após a Segunda Guerra Mundial. Os pesquisadores dizem que a nova evidência apareceu em anos recentes à medida que eles tiveram acesso aos documentos. O objetivo de sua pesquisa, eles dizem, era compreender o papel de Fiume, a cidade onde Palatucci trabalhava, como terreno fértil para o fascismo; os documentos que detonaram o relato do heroísmo abnegado de Palatucci foram um subproduto daquela investigação.

Palatucci tem recebido o crédito por ter salvado milhares de judeus entre 1940 e 1944 enquanto ele era chefe de polícia em Fiume, uma cidade portuária adriática que era considerada o primeiro símbolo do novo Império Fascista da Itália. (Ela é agora chamada de Rijeka e é parte da Croácia.) Quando os nazistas ocuparam a cidade em 1943, por exemplo, era dito que Palatucci destruiu os registros para prevenir que os alemães enviassem os judeus de Fiume para os campos de concentração. Sua própria morte aos 35 anos no campo de Dachau parecia corroborar seu valor.

Mas Natalia Indrimi, a diretora executiva do Centro Primo Levi, disse que os historiadores foram capazes de revisar aqueles supostamente registros destruídos nos Arquivos Públicos de Rijeka.

O que eles mostram, disse a Dra. Indrimi, que coordenou a pesquisa, é que Fiume tinha somente 500 judeus em 1943, e que a maioria deles – 412, ou cerca de 80% - acabou em Auschwitz, a maior porcentagem em relação a outras cidades italianas. A pesquisa sobre Palatucci descobriu que ao invés de ser chefe da polícia, ele era vice-comissário responsável por impor as leis raciais da Itália Fascista. Além disso, sua deportação para Dachau em 1944 não estava relacionada ao salvamento de judeus mas às acusações alemãs de corrupção e traição por passar planos para a independência de Fiume no pós-guerra aos britânicos.

O relatório diz que é possível que Palatucci tenha ajudado algumas pessoas, apesar de não estar certo se ele fez isso por ordens superiores.

A Dra. Indrimi disse que “o mito” acerca de Palatucci começou em 1952, quando seu tio, o Bispo Giuseppe Maria Palatucci, usou a estória para convencer o governo italiano a dar uma pensão aos pais de Palatucci. O relato, ela disse, ganhou impulso porque parecia melhorar a reputação do Papa Pio XII, que é acusado por grupos judeus de ter sido indiferente ao genocídio.

“Se ele representa alguma coisa é o silêncio, a ideologia e o cumprimento de muitos jovens italianos que abraçaram entusiasticamente Mussolini em seus últimos passos desastrosos,” escreveu a Dra. Indrimi em sua carta ao Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos. Alguma evidência foi apresentada em uma conferência na Universidade de Nova York ano passado.

Talvez o maior reconhecimento que Palatucci recebeu foi sua nomeação em 1990 pelo Yad Vashem, o memorial de Israel para o Holocausto, como um dos Justos entre as Nações – uma honra concedida àqueles que resgataram judeus, e que inclui Oskar Schindler, o empresário alemão que ajudou 1.200 judeus a evitar os campos de extermínio.

Após receber o relatório dos historiadores, o Yad Vashem disse que ele “começou o processo de exame profundo dos documentos,” escreveu Estee Yaari, porta-voz da mídia estrangeira, por e-mail.

A narrativa do heroísmo de palatucci tornou-se assunto de artigos, livros e um filme para televisão. No último mês, a Associação Giovanni Palatucci deu crédito à sua intervenção sobrenatural no milagroso desaparecimento do tumor de rim de um homem como parte de uma ação para promover sua santidade.

A Liga Anti-Difamação (ADL) premiou Palatucci com sua Medalha da Coragem para Cuidar em 18 de maio de 2005, o que fez com que o prefeito Michael Bloomberg declarasse, por sua vez, o Dia da Coragem para Cuidar Giovanni Palatucci. A Fundação Internacional Raoul Wallenberg criou um hino para ele em seu sítio da internet.

Cerca de 9.000 judeus foram deportados da Itália durante a Segunda Guerra Mundial. Mas os especialistas notaram que, apesar dos 45.000 judeus na Itália terem sido perseguidos, a maioria sobreviveu à guerra.

Alexander Stille, um professor da faculdade de jornalismo na Universidade de Columbia, que revisou alguns dos documentos, disse que o caso de Palatucci foi o resultado de três instituições poderosas, todas com interesse em promover o que parecia ser um conto heroico: “O governo italiano estava ansioso em se reabilitar e mostrar que eles eram melhores e mais humanos que seus aliados nazistas. A Igreja Católica estava ansiosa em contar uma estória positiva sobre o papel da Igreja durante a guerra e o Estado de Israel estava ansioso em promover a ideia de não-judeus corretos e contar estórias de pessoas comuns decentes que ajudaram a salvar judeus comuns.”  

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