The
Guardian, 26/05/13
Junto
no corredor, a Dra. Ginan Ghalib Hassen, uma pediatra, manteve um álbum das
crianças que ela estava tentando salvar. Muitas tinham neuroblastoma (n. do t.:
tumor congênito que ataca recém-nascidos). “Antes da guerra, vimos apenas um
caso deste tumor incomum em dois anos,” ela disse. “Agora, temos muitos casos,
a maioria sem histórico familiar. Estudei o que aconteceu em Hiroshima. O
aumento repentino de tais más formações congênitas é o mesmo.”
Entre
os médicos que entrevistei, havia pouca dúvida de que os projéteis de urânio
empobrecido usado pelos americanos e britânicos na Guerra do Golfo foram a
causa. Um médico das forças armadas americanas designado para limpar o campo de
batalho da guerra do Golfo ao longo da fronteira do Kuwait disse: “cada
projétil disparado por uma aeronave de ataque A-10 Warthog carregava cerca de
4,5 kg de urânio sólido. Cerca de 300 toneladas de urânio empobrecido foram
usadas. Isto é uma forma de guerra nuclear.”
Apesar
da ligação com o câncer é sempre difícil de provar de forma absoluta, os
médicos iraquianos argumentam que “a epidemia fala por si só.” O oncologista
britânico Karol Sikora, chefe do programa de câncer da Organização Mundial da
Saúde nos anos 1990, escreveu no Jornal Médico britânico: “Equipamento de
radioterapia solicitado, drogas quimioterápicas e analgésicos são
constantemente bloqueados pelos consultores americanos e britânicos (ao comitê de
sansões iraquianas).” Ele me disse, “nós fomos avisados especificamente (pela
OMS) a não falar sobre o que estava acontecendo no Iraque. A OMS não é uma
organização que gosta de se envolver em política.”
Recentemente,
Hans von Sponeck, antigo secretário geral da Nações Unidas e funcionário sênior
da ONU Humanitária no Iraque, escreveu-me: “O governo americano conseguiu
prevenir que a OMS investigasse as áreas no sul do Iraque, onde o urânio
empobrecido foi usado e causou problemas sérios de saúde e ambientais.” Um
relatório da OMS, o resultado de um estudo de referência conduzido pelo
ministério da saúde iraquiano, foi “postergado”. Cobrindo 10.800 lares, ele
contém “evidência avassaladora”, diz um funcionário do ministério e, de acordo
com um de seus pesquisadores, permanece “ultra secreto”. O relatório diz que os
defeitos de nascimento cresceram ao ponto de uma “crise” dentro da sociedade
iraquiana onde o urânio empobrecido e outros metais pesados tóxicos foram
usados pelos EUA e Grã-Bretanha. Quatorze anos após fazer o alerta, o Dr. Jawad
Al-Ali avalia cânceres múltiplos em famílias inteiras.
O
Iraque já não é mais notícia. Semana passada, a morte de 57 iraquianos em
apenas um dia não foi nem comparado ao assassinato de um soldado britânico em
Londres. Mesmo assim, as duas atrocidades estão conectadas. Seu simbolismo poderia
ser um pródigo novo filme para “O Grande Gatsby” de F. Scott Fitzgerald. Os
dois personagens principais, como escreveu Fitzgerald, “destruíram as coisas e
as pessoas e voltaram-se para seu dinheiro e sua vasta irresponsabilidade... e
deixaram que outras pessoas arrumassem a bagunça.”
A
“bagunça” deixada por George Bush e Tony Blair no Iraque é uma guerra sectária,
as bombas de 7/7 (n. do t.: os atentados em Londres de 07/07/2005) e agora um
homem carregando uma faca ensanguentada em Woolwich. Bush voltou-se para o seu “museu
e biblioteca presidencial” Mickey Mouse e Tony Blair em suas palestras ao redor
do mundo e dinheiro.
Sua
“bagunça” é um crime de proporções épicas, escreveu Von Sponeck, referindo-se à
estimativa do Ministério de Assuntos Sociais do Iraque de 4,5 milhões de
crianças que perderam um ou ambos os pais. “Isto significa que cerca de 14% da
população iraquiana está órfã,” ele escreveu. “Cerca de um milhão de famílias
são comandadas por mulheres, a maioria das quais são viúvas.” A violência
doméstica e pedofilia são assuntos urgentes na Grã-Bretanha; no Iraque, a
catástrofe iniciada pela Grã-Bretanha trouxe violência e abuso a milhões de
lares.
Em
seu livro “Despachos do Lado Negro”, Gareth Peirce, a grande advogada dos
direitos humanos na Grã-Bretanha, aplica a força da lei contra Blair, seu
propagandista Alastair Campbell e seu Gabinete conivente. Para Blair, ela
escreveu, “seres humanos que supostamente mantenham suas visões (islâmicas)
devem ser mutiladas por qualquer meio possível, e permanentemente... na
linguagem de Blair, um ‘vírus’ a ser ‘eliminado’ e exigindo ‘uma miríade de
intervenções (sic) profundamente nos assuntos de outras nações.” E mesmo assim,
diz Peirce, “a troca de e-mails, comunicados intergovernamentais, não revelam
dissidência.” Para o secretário do exterior Jack Straw, enviar cidadãos
britânicos inocentes a Guantanamo era “o melhor meio de cumprir nosso objetivo
contra-terrorista.”
Estes crimes, sua iniquidade em pé de igualdade com Woolwich, aguarda um processo judicial. Mas quem entrará com ele? No teatro kabuki (n. do t.: teatro japonês com os atores muito maquiados) da política de Westminster, a violência distante de “nossos valores” não tem interesse. O resto de nós virou as costas?
http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2013/may/26/iraqis-cant-turn-backs-on-deadly-legacy
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