sábado, 26 de janeiro de 2013

[POL] Um Bom Alemão? Von Staufenberg e a Conspiração de Julho

Roger Moorhouse

History Today, Volume 59/Edição 1 (2009)

 
Em janeiro de 2009 vimos a estreia do novo filme de Bryan Singer, Operação Valquíria, uma nova abordagem dramática da Conspiração de 20 de julho para assassinar Adolf Hitler, estrelando Tom Cruise no papel de Claus Schenk Von Stauffenberg, o assassino escolhido de Hitler.

Como é inevitável sempre que Hollywood encontra uma estória como essa, o filme é acompanhado por uma miríade de publicações, republicações, documentários e discussões, já que o assunto abordado é lançado aos holofotes da mídia.

Uma nova e maior plateia de leitores e cinéfilos estará, assim, exposta à estória de Stauffenberg, muitos deles pela primeira vez. Eles serão apresentados a Stauffenberg como um herói de ação com princípios éticos e morais, um “bom alemão” que se opôs a Hitler e “fez a coisa certa”. Alguns podem mesmo pensar que eles estão assistindo ao progenitor da Alemanha democrática que conhecemos hoje.

 

Mas, antes que promovamos Stauffenberg ao status de um santo secular, devemos talvez lembrar quem realmente era o assassino escolhido de Hitler e que valores ele defendia. Ele era realmente um arauto da “nova” Alemanha que deveria segui-lo ou era apenas um produto da “velha” Alemanha, assim como o seu alvo?

Não podemos nos esquecer que Stauffenberg era, de muitas formas, o típico nacionalista alemão – muito mais um produto da época em que vivia. Ele foi um antigo e entusiasta apoiador do nazismo, por exemplo, tinha bem recebido a indicação de Hitler como Chanceler em 1933. Ele abraçou todas as medidas subsequentes – a reintrodução do alistamento obrigatório, a remilitarização da Renânia, o Anschluss com a Áustria e a anexação dos Sudetos – que eram vistos como a “restauração da honra alemã.”

Stauffenberg não era democrata. Ele passou sua lua-de-mel, por exemplo, em Borne, onde assistiu a uma exibição celebrando os primeiros dez anos de poder de Mussolini. Mesmo mais tarde, como um dos organizadores do complô contra Hitler, ele se opôs raivosamente à inclusão da esquerda na conspiração.

Um aristocrata, Stauffenberg desprezava “a mentira de que todos os homens são iguais” e insistia que as “hierarquias naturais” fossem respeitadas. Sua rejeição a Hitler, quando veio, não foi baseada na política ou moralidade, foi baseada na classe. Ele não poderia estar sujeito a Hitler, ele disse, já que este era um “burguês inferior” e sua tradição familiar proibia isso.

Stauffenberg também estava suscetível ao clima difundido de preconceito racial e nacional sob Hitler. Após o encerramento da campanha polonesa em 1939, por exemplo (na qual ele serviu como oficial de gabinete em uma Divisão Panzer Leve), ele descreveu os poloneses como uma populaça inacreditável de “judeus e viralatas” que eram confortáveis somente sob o chicote. Ele foi adiante ao defender a colonização sistemática da Polônia ocupada pela Alemanha nazista.

Mesmo após unir-se à resistência em 1943, Stauffenberg raramente mudou suas opiniões. Apesar dele – como outros conspiradores das forças armadas – estar motivado basicamente por seu senso de horror em relação ao Holocausto e seu desejo de terminar a brutalidade do nazismo, havia outro fator importante no seu pensamento. Como militar, ele era um crítico ocasional da liderança de Hitler. Mas em 1943, ele estava totalmente convencido de que Hitler estava conduzindo a nação para uma derrota catastrófica. A guerra não poderia ser lutada com mais eficiência, ele acreditava, se não houvesse uma mudança de pessoal no topo.

A substituição de Hitler, portanto, era vista muito mais como um imperativo militar do que moral. E esta convicção foi aumentada, é claro, com a abertura de uma segunda frente com o desembarque na Normandia em junho de 1944 – apenas seis semanas antes do atentado contra a vida de Hitler ser lançado.

Os conspiradores amigos de Stauffenberg eram críticos na mesma linha. O diplomata anti-nazista Hans Gisevius, por exemplo, confrontava-o repetidamente em relação aos planos para um golpe maior contra Hitler – Gisevius preferindo uma revolução mais abrangente do que a visão mais minimalista de Stauffenberg. Ao assassinar o Führer, Gisevius reclamou, Stauffenberg “queria fazer apenas o necessário, então ele pintaria o navio do Estado de cinza militar e o faria mover-se novamente.” Stauffenberg, parecia, imaginava substituir a ditadura de Hitler por outra militar.

Stauffenberg era certamente dinâmico e não há dúvidas sobre seu valor pessoal. Ele claramente impôs ambas as qualidades diante do seu frequentemente temerário e vacilante grupo de co-conspiradores e em suas ações decisivas em Rastenburg ao plantar a bomba que quase matou Hitler. Além disso, ele exibiu uma profunda bravura moral. Ele viu os crimes hediondos que os soldados de Hitler estavam cometendo em nome da Alemanha e tinha resolvido agir em defesa de uma moral mais elevada, apesar de saber que isto poderia custar sua vida.

Esta determinação não deve ser vista, contudo, como uma assinatura de caráter. Stauffenberg é lembrado da maneira correta: seu lugar no panteão, assim como o mais famoso pretenso tiranocida, está garantido. Pelo contrário, deveria ser encarado como um corretivo temporal: um lembrete de que é imprudente ver o passado através do prisma do presente; erramos quando julgamos personagens históricos de acordo com os padrões modernos.

Acima de tudo, é um lembrete de que o público leitor e cinéfilo não deveria aceitar o novo herói de Hollywood “ao preço da embalagem”, sem críticas; nem imaginar cegamente que ele “era um de nós.” Não vamos nos enganar: apesar de todo seu valor, Stauffenberg defendia valores que são estranhos a nós – e para a Alemanha moderna – assim como Hitler foi.          

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