quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

[POL] Culto a Mussolini está vivo e bem na Itália

Der Spiegel, 8 de janeiro de 2013

 
Todo ano, milhares de pessoas na Itália penduram um calendário recente de imagens mostrando Benito Mussolini em suas paredes, apenas uma das muitas indicações de que o culto ao “Duce” está vivo e bem no país. Muitos ainda consideram o ditador fascista ter sido um homem honrado e isso é uma fraqueza que políticos como Silvio Berslusconi são capazes de explorar.




Enfeitado com um uniforme militar, sua mão estendida com a saudação fascista, ele está nas prateleiras, disponível nas livrarias e está espalhado através de inúmeros sites da internet: Benito Mussolini, o ditador italiano e fundador do fascismo, conhecido simplesmente como “Il Duce”, goza de popularidade maciça na Itália como modelo de calendário. Em um mês ele está usando um capacete de aço, o queixo saliente acentuadamente para frente, no seguinte ele está segurando uma pequena espada romana, com o famoso queixo ainda em destaque. Seus soldados valentes e usando capacetes de aço também marcham anualmente, em cores ou branco e preto, acompanhados por símbolos fascistas como a suástica.

Turistas estrangeiros, especialmente alemães, ficam chocados quando veem estes calendários publicamente escancarados. Mesmo em 2013, o antigo ditador italiano tem uma base leal de seguidores em casa. E eles não estão apenas comprando calendários.

A extensão total do culto a Mussolini – um fenômeno que muitos estrangeiros acham difícil de entender – pode ser visto em Predappio, uma cidadezinha na região de Emilia-Romagna com apenas 7.000 habitantes. Como destino turístico, Predappio não é realmente digno do nome. Mas foi aqui, em 29 de julho de 1883 que Benito Amilcare Andrea Mussolini, o filho de um ferreiro e de uma professora, começou uma vida que o levaria à sua coroação como “Il Duce”, o arquiteto do fascismo que foi o precursor e, em muitos aspectos, um modelo para Adolf Hitler.
 
 
 

Naquela época, a pacata aldeia ainda era chamada de Dovia. Mas seu filho mais famoso a usou como um modelo para o planejamento urbano fascista, reconstruindo-a e chamando-a de Predappio. Mais tarde, quando foi capturado em 1945 por guerrilheiros italianos, executado e pendurado de cabeça para baixo em público em um posto de gasolina em Milão, o antigo ditador foi enterrado ao lado de seu pai, mãe, esposa, filha, irmã e irmão em Predappio.

“O único Deus”

Hoje, rapazes de cabeças raspadas em longas capas pretas, regularmente posam para fotos na tumba familiar de Mussolini. O livro de condolências está repleto de frases do tipo “você é o único Deus,” e alguns visitantes esticam seus braços direitos na chamada “saudação romana”, não muito diferente da saudação nazista.

Todo ano, centenas de milhares de visitantes vem a Predappio, enchendo seus bares, restaurantes e especialmente as lojas dedicadas ao “Il Duce” que ficam na estrada principal. Lá, você pode comprar abridores de cartas, cinzeiros, moedas, cuecas, xícaras, vinho, copos e isqueiros ostentando lemas como “Acredite, Obedeça, Lute” ou “Maldito seja aquele que desiste.” É claro, todos estes produtos ostentam a imagem de Mussolini, repletos com seu famoso queixo e saudação fascista. Há bandeiras com as insígnias suástica e da SS e bustos de bronze de 38 cm do “Il Duce” que são vendidos por €45.
 
 
 

Há também um busto de Hitler, menor é claro, com 16 cm, pelo preço de promoção de €15. Objetos como estes atraem alguns neo-nazistas alemães, que aproveitam a oportunidade, assim como a garrafa de cerveja ostentando a imagem de Adolf Hitler sob o título “O Camarada” pelo preço de €3.

Os italianos, em sua maioria, rejeitam os itens de nostalgia nazista, que perturba a narrativa histórica dominante do país. O vendedor de lembranças de Mussolini mais bem sucedido em Predappio coloca a questão da seguinte forma: “Hitler foi um criminoso, mas Mussolini era um homem de honra.”

Reprimindo Coletivamente o Passado

Isto não significa que grande número de italianos aceitaria o retorno do fascismo. A maioria, incluindo os fãs do “Il Duce” que viajam a Predappio ou compram os calendários de Mussolini não votam em partidos da extrema direita. Eles geralmente se identificam com o Partido da liberdade Popular (PdL) de Silvio Berlusconi, os Social-Democratas ou partidos de centro-esquerda. O prefeito de Predappio, por exemplo, tem origem na esquerda.

Muitos italianos glorificam Mussolini: sob sua liderança, os correios foram abertos em todas as cidades italianas, ele drenou todos os pântanos de Maremma no sul da Toscana e pavimentou-os com estradas. E, é claro, como é sempre mencionado, os trens rodavam nos horários quando Mussolini estava no poder.

A glorificação do “Il Duce” é uma coisa acima de tudo: uma porção de conversa. O público italiano em geral desconhece sobre este capítulo da história italiana, baseando-se geralmente em mitos e meias-verdades. Ao contrário da Alemanha, onde o processo de desnazificação do pós-guerra foi seguido de um processo longo de décadas de avaliação histórica que continua a ter um papel significativo no discurso público, a confrontação real com o fascismo jamais aconteceu aqui. Logo após a guerra, os fascistas italianos foram novamente aceitos pela sociedade. Eles eram vozes úteis nas lutas nacionais e globais entre capitalismo e comunismo. Mesmo Mussolini, em seus anos iniciais,foi financiado e apoiado pelas agências de inteligência francesa e britânica.

Ao invés de trabalhar com seu passado, os italianos coletivamente o reprimiram. Ataques de gás mostarda contra os civis etíopes? Nunca ouvido falar ou esquecido. Assalto à Albânia e Grécia? Desconhecido. O que mais poderia explicar a ascensão do “mito do bom soldado italiano,” analisado muitos anos atrás por Lutz Klinkhammer do Instituto Histórico Alemão em Roma?

As leis raciais de Mussolini de 1938, o envolvimento da Itália na Guerra Civil Espanhola ao lado de Francisco Franco e Hitler, deportações, execuções de reféns; muitos aspectos da história fascista italiana tendem a ser minimizados. Enquanto que a culpabilidade alemã pelo pior da Segunda Guerra Mundial é incomparavelmente maior, as transgressões italianas são frequentemente vistas no país como inofensivas. Como o exílio de intelectuais em vilas remotas, por exemplo. Como o então Primeiro-Ministro Silvio Berlusconi colocou em 2003, eles simplesmente foram enviados a “férias em exílio interno.”
 
 
 

Um País Rico, graças à Direita

Berlusconi de modo bem sucedido perpetuou a repressão coletiva do período do pós-guerra. Quando ele entrou na arena política no início dos anos 1990, precisava dos fascistas minoritários para conseguir a maioria no parlamento. Logo, ele os tornou socialmente aceitáveis, formando uma coalizão com eles e os levou para seu gabinete.

Mirko Tremaglia, um antigo ministro para italianos vivendo no exterior, ostentava ter lutado pela República de Salò (1943 – 1945), um estado fantoche da Alemanha Nazista que surgiu com o Partido Fascista Republicano de Mussolini. Quando ele foi ministro das comunicações, o atual líder do PdL, Maurizio Gasparri, proclamou seu objetivo em promover “talento cultural na direita” para terminar com o domínio da esquerda nas escolas e na empresa de comunicação pública RAI. Sob as ordens de Gasparri, o catálogo para exibição da RAI “Roma 1948 – 1959” foi acompanhado de frases do tipo: “É graças à cultura da Direita que a Itália permanece hoje um país rico, ao contrário das democracias que estão indo em direção do niilismo.”

N. do T.: Niilismo (do latim nihil, nada) é um termo e um conceito filosófico que afeta as mais diferentes esferas do mundo contemporâneo (literatura, arte, ciências humanas, teorias sociais, ética e moral). É a desvalorização e a morte do sentido, a ausência de finalidade e de resposta ao “porquê”. Os valores tradicionais depreciam-se e os "princípios e critérios absolutos dissolvem-se". "Tudo é sacudido, posto radicalmente em discussão. A superfície, antes congelada, das verdades e dos valores tradicionais está despedaçada e torna-se difícil prosseguir no caminho, avistar um ancoradouro". O niilismo pode ser considerado como "um movimento positivo” – quando pela crítica e pelo desmascaramento nos revela a abissal ausência de cada fundamento, verdade, critério absoluto e universal e, portanto, convoca-nos diante da nossa própria liberdade e responsabilidade.  Mas também pode ser considerado como "um movimento negativo” – quando nesta dinâmica prevalecem os traços destruidores e iconoclastas, como o do perigoso silogismo ilustrado pela frase de Ivan Karamazov em Os Irmãos Karamazov, personagem de Dostoiévski: "Se Deus está morto, então tudo é permitido".


Mas Berlusconi e Cia. não conduziram a Itália para ser um país de direita. O partido pós-fascista Aliança Nacional está desesperadamente fragmentado e virtualmente desprezível politicamente. Mesmo os pequenos partidos de direita estão com problemas. O que os anos Berlusconi deixaram em seu caminho, entretanto, é uma banalização momentânea do fascismo.

É esta banalização que tem dado a grupos marginais de extrema direita a coragem para se mostrar publicamente – e agir violentamente. Quando auto-proclamados fascistas surram torcedores britânicos enquanto gritam “judeus” – como aconteceu em novembro no jogo da Liga Europeia em Roma entre a Lazio e o Tottenham Hotspur – ou mesmo quando neo-fascistas aparecem nas escolas para protestar contra cortes na educação carregando bombas de fumaça e gritando “Vida Longa ao Duce”, então isto também é um legado do reinado de Berlusconi.
 

                     


 
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