Enfeitado
com um uniforme militar, sua mão estendida com a saudação fascista, ele está
nas prateleiras, disponível nas livrarias e está espalhado através de inúmeros
sites da internet: Benito Mussolini, o ditador italiano e fundador do fascismo,
conhecido simplesmente como “Il Duce”, goza de popularidade maciça na Itália como
modelo de calendário. Em um mês ele está usando um capacete de aço, o queixo
saliente acentuadamente para frente, no seguinte ele está segurando uma pequena
espada romana, com o famoso queixo ainda em destaque. Seus soldados valentes e
usando capacetes de aço também marcham anualmente, em cores ou branco e preto,
acompanhados por símbolos fascistas como a suástica.
Turistas
estrangeiros, especialmente alemães, ficam chocados quando veem estes
calendários publicamente escancarados. Mesmo em 2013, o antigo ditador italiano
tem uma base leal de seguidores em casa. E eles não estão apenas comprando
calendários.
A
extensão total do culto a Mussolini – um fenômeno que muitos estrangeiros acham
difícil de entender – pode ser visto em Predappio, uma cidadezinha na região de
Emilia-Romagna com apenas 7.000 habitantes. Como destino turístico, Predappio
não é realmente digno do nome. Mas foi aqui, em 29 de julho de 1883 que Benito Amilcare
Andrea Mussolini, o filho de um ferreiro e de uma professora, começou uma vida
que o levaria à sua coroação como “Il Duce”, o arquiteto do fascismo que foi o
precursor e, em muitos aspectos, um modelo para Adolf Hitler.
Naquela
época, a pacata aldeia ainda era chamada de Dovia. Mas seu filho mais famoso a
usou como um modelo para o planejamento urbano fascista, reconstruindo-a e
chamando-a de Predappio. Mais tarde, quando foi capturado em 1945 por
guerrilheiros italianos, executado e pendurado de cabeça para baixo em público
em um posto de gasolina em Milão, o antigo ditador foi enterrado ao lado de seu
pai, mãe, esposa, filha, irmã e irmão em Predappio.
“O único Deus”
Hoje,
rapazes de cabeças raspadas em longas capas pretas, regularmente posam para
fotos na tumba familiar de Mussolini. O livro de condolências está repleto de
frases do tipo “você é o único Deus,” e alguns visitantes esticam seus braços
direitos na chamada “saudação romana”, não muito diferente da saudação nazista.
Todo
ano, centenas de milhares de visitantes vem a Predappio, enchendo seus bares,
restaurantes e especialmente as lojas dedicadas ao “Il Duce” que ficam na
estrada principal. Lá, você pode comprar abridores de cartas, cinzeiros,
moedas, cuecas, xícaras, vinho, copos e isqueiros ostentando lemas como “Acredite,
Obedeça, Lute” ou “Maldito seja aquele que desiste.” É claro, todos estes
produtos ostentam a imagem de Mussolini, repletos com seu famoso queixo e saudação
fascista. Há bandeiras com as insígnias suástica e da SS e bustos de bronze de
38 cm do “Il Duce” que são vendidos por €45.
Há
também um busto de Hitler, menor é claro, com 16 cm, pelo preço de promoção de €15. Objetos como
estes atraem alguns neo-nazistas alemães, que aproveitam a oportunidade, assim
como a garrafa de cerveja ostentando a imagem de Adolf Hitler sob o título “O
Camarada” pelo preço de €3.
Os
italianos, em sua maioria, rejeitam os itens de nostalgia nazista, que perturba
a narrativa histórica dominante do país. O vendedor de lembranças de Mussolini
mais bem sucedido em Predappio coloca a questão da seguinte forma: “Hitler foi
um criminoso, mas Mussolini era um homem de honra.”
Reprimindo Coletivamente o Passado
Isto
não significa que grande número de italianos aceitaria o retorno do fascismo. A
maioria, incluindo os fãs do “Il Duce” que viajam a Predappio ou compram os
calendários de Mussolini não votam em partidos da extrema direita. Eles geralmente
se identificam com o Partido da liberdade Popular (PdL) de Silvio Berlusconi,
os Social-Democratas ou partidos de centro-esquerda. O prefeito de Predappio,
por exemplo, tem origem na esquerda.
Muitos
italianos glorificam Mussolini: sob sua liderança, os correios foram abertos em
todas as cidades italianas, ele drenou todos os pântanos de Maremma no sul da
Toscana e pavimentou-os com estradas. E, é claro, como é sempre mencionado, os
trens rodavam nos horários quando Mussolini estava no poder.
A
glorificação do “Il Duce” é uma coisa acima de tudo: uma porção de conversa. O
público italiano em geral desconhece sobre este capítulo da história italiana,
baseando-se geralmente em mitos e meias-verdades. Ao contrário da Alemanha,
onde o processo de desnazificação do pós-guerra foi seguido de um processo
longo de décadas de avaliação histórica que continua a ter um papel
significativo no discurso público, a confrontação real com o fascismo jamais
aconteceu aqui. Logo após a guerra, os fascistas italianos foram novamente
aceitos pela sociedade. Eles eram vozes úteis nas lutas nacionais e globais
entre capitalismo e comunismo. Mesmo Mussolini, em seus anos iniciais,foi
financiado e apoiado pelas agências de inteligência francesa e britânica.
Ao
invés de trabalhar com seu passado, os italianos coletivamente o reprimiram.
Ataques de gás mostarda contra os civis etíopes? Nunca ouvido falar ou
esquecido. Assalto à Albânia e Grécia? Desconhecido. O que mais poderia
explicar a ascensão do “mito do bom soldado italiano,” analisado muitos anos
atrás por Lutz Klinkhammer do Instituto Histórico Alemão em Roma?
As
leis raciais de Mussolini de 1938, o envolvimento da Itália na Guerra Civil
Espanhola ao lado de Francisco Franco e Hitler, deportações, execuções de
reféns; muitos aspectos da história fascista italiana tendem a ser minimizados.
Enquanto que a culpabilidade alemã pelo pior da Segunda Guerra Mundial é
incomparavelmente maior, as transgressões italianas são frequentemente vistas
no país como inofensivas. Como o exílio de intelectuais em vilas remotas, por
exemplo. Como o então Primeiro-Ministro Silvio Berlusconi colocou em 2003, eles
simplesmente foram enviados a “férias em exílio interno.”
Um País Rico, graças à Direita
Berlusconi
de modo bem sucedido perpetuou a repressão coletiva do período do pós-guerra.
Quando ele entrou na arena política no início dos anos 1990, precisava dos
fascistas minoritários para conseguir a maioria no parlamento. Logo, ele os
tornou socialmente aceitáveis, formando uma coalizão com eles e os levou para
seu gabinete.
Mirko
Tremaglia, um antigo ministro para italianos vivendo no exterior, ostentava ter
lutado pela República de Salò (1943 – 1945), um estado fantoche da Alemanha
Nazista que surgiu com o Partido Fascista Republicano de Mussolini. Quando ele
foi ministro das comunicações, o atual líder do PdL, Maurizio Gasparri,
proclamou seu objetivo em promover “talento cultural na direita” para terminar
com o domínio da esquerda nas escolas e na empresa de comunicação pública RAI.
Sob as ordens de Gasparri, o catálogo para exibição da RAI “Roma 1948 – 1959”
foi acompanhado de frases do tipo: “É graças à cultura da Direita que a Itália
permanece hoje um país rico, ao contrário das democracias que estão indo em
direção do niilismo.”
N.
do T.:
Niilismo (do latim nihil,
nada) é um termo e um conceito filosófico que afeta as mais diferentes esferas
do mundo contemporâneo (literatura, arte, ciências humanas, teorias sociais, ética
e moral). É a desvalorização e a morte do sentido, a ausência de finalidade e
de resposta ao “porquê”. Os valores tradicionais depreciam-se e os
"princípios e critérios absolutos dissolvem-se". "Tudo é
sacudido, posto radicalmente em discussão. A superfície, antes congelada, das
verdades e dos valores tradicionais está despedaçada e torna-se difícil
prosseguir no caminho, avistar um ancoradouro". O niilismo pode ser
considerado como "um movimento positivo” – quando pela crítica e pelo
desmascaramento nos revela a abissal ausência de cada fundamento, verdade,
critério absoluto e universal e, portanto, convoca-nos diante da nossa própria
liberdade e responsabilidade. Mas também
pode ser considerado como "um movimento negativo” – quando nesta dinâmica
prevalecem os traços destruidores e iconoclastas, como o do perigoso silogismo ilustrado
pela frase de Ivan Karamazov em Os Irmãos Karamazov, personagem de Dostoiévski:
"Se Deus está morto, então tudo é permitido".
Mas
Berlusconi e Cia. não conduziram a Itália para ser um país de direita. O
partido pós-fascista Aliança Nacional está desesperadamente fragmentado e
virtualmente desprezível politicamente. Mesmo os pequenos partidos de direita
estão com problemas. O que os anos Berlusconi deixaram em seu caminho,
entretanto, é uma banalização momentânea do fascismo.
É
esta banalização que tem dado a grupos marginais de extrema direita a coragem
para se mostrar publicamente – e agir violentamente. Quando auto-proclamados fascistas
surram torcedores britânicos enquanto gritam “judeus” – como aconteceu em
novembro no jogo da Liga Europeia em Roma entre a Lazio e o Tottenham Hotspur –
ou mesmo quando neo-fascistas aparecem nas escolas para protestar contra cortes
na educação carregando bombas de fumaça e gritando “Vida Longa ao Duce”, então
isto também é um legado do reinado de Berlusconi.
O
que é Fascismo?
Um
Ditador que atrai Dezenas de Milhares na Itália
Vereador italiano propõe nomear
escola com o nome do ditador fascista
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