domingo, 27 de maio de 2012

[POL] "Mein Kampf é o explosivo, estamos retirando o pavio."

Der Speigel, 23/05/2012


O polêmico Mein Kampf de Hitler tem sido uma zona proibida entre as editoras alemãs. Mas um instituto histórico de Munique está agora publicando a primeira edição acadêmica do livro desde a Segunda Guerra Mundial. Em uma entrevista para a Spiegel, o responsável pelo projeto, Christian Hartmann, discute por quê isso é tanto controverso como necessário.




Spiegel: Com 12 milhões de cópias, o polêmico Mein Kampf de Hitler figura entre os maiores best-sellers da história. O texto é também disponível gratuitamente online. O que o senhor espera alcançar publicando uma edição acadêmica anotada?

Hartmann: Vemos a nós mesmos como uma equipe anti-bomba. "Mein Kampf" é o velho projétil de artilharia, e estamos removendo o pavio. A idéia é desmistificar o livro com uma nova introdução e especialmente com comentários acadêmicos inseridos. Isto remove o valor simbólico do livro e o torna o que ele realmente é: um registro histórico, e nada mais.

Spiegel: Wolfgang Benz, o historiador e antigo chefe do Centro para Pesquisa em Antisemitismo (ZfA) na Universidade Técnica de Berlim, acredita que esta edição anotada é desnecessária, pois ele vê o livro de Hitler como contendo nada mais do que "clichés pessoais odiosos sem qualquer critério."

Hartmann: Eu vejo de uma forma completamente diferente. Este livro é de significado chave para entender as políticas de Hitler. Nele, ele ele faz um balanço de sua situação depois de uma vida bastante agitada até aquele ponto. Ler este livro deixa pouco apoio à teoria de um ditador fraco. De fato, é perturbador ver o quão precisamente Hitler implementou o que ele escreveu aqui nos anos subseqüentes.

Spiegel: O senhor acha que é essencial para os alemães lê-lo agora, 67 anos após o fim da guerra?

Hartmann: Queremos estabelecer um debate intelectual dinâmico. Ao fazer isso, não estamos simplesmente confrontando a sociedade com material bruto, como alguns fazem. Esclarecemos de onde as idéias políticas de Hitler vieram, quão verdadeiras ou falsas elas são, e qual o significado que elas tiveram nas políticas e ideologias nazistas. Estamos revelando, por exemplo, os contrastes entre as teorias raciais de Hitler e as descobertas em genética humana.

Spiegel: O Estado da Bavária manteve os direitos de "Mein Kampf" desde o final da Segunda Guerra e, apesar de o livro não ser oficialmente proibido na Alemanha, a Bavária não permitiu a sua publicação desde então. Mesmo assim, qualquer um que quiser ler o texto original pode simplesmente baixá-lo de um servidor em outro país ou comprá-lo de um sebo. O quão perigoso é este livro hoje?

Hartmann: Partes dele são muito perigosas, se somente expressam antisemitismo. E há, por outro lado, muita agitação - contra o parlamentarismo, contra a monarquia, a classe média e a Igreja. Além disso, é óbvio que não é a primeira vez que Hitler está sendo publicado. A publicação terá um impacto relativamente limitado.

Spiegel: Foram as décadas de proibição de publicação deste livro na Alemanha que acabou causando o interesse nele hoje em dia?

Hartmann: Nas palavras de Wolf Biermann: "Queremos exatamente as coisas que estamos proibidos de ter." O livro é, certamente, de alto valor simbólico. Além disso, a força de ocupação americana sabia o que estava fazendo quando proibiu este livro. Na época, era uma coisa completamente certa a fazer.

Spiegel: Mesmo se milhões de alemães já o tenham tido em suas cabeceiras?

Hartmann: Mas eles sabiam que não poderiam deixar o "Mein Kampf" "voando" por aí. Aquela geração foi altamente suscetível à esta linguagem e a esta retórica. A situação atual é completamente diferente.

Spiegel: Em uma parte do "Mein Kampf" lemos: "Exemplos do Ovo de Colombo aparecem ao nosso redor às centenas de milhares; mas observadores como Colombo são raros." Como tal contra-senso pode ter tido sucesso?

Hartmann: Hitler era auto-didata e, falando estilisticamente, o livro é fundamentalmente defeituoso. Sua atmosfera é estúpida, opressiva e inferior. Mas ninguém deve subestimar a inteligência de Hitler, assim como a história do Nacional Socialismo tem sido uma história de subestimação. O livro também contém observações perspicazes. E é um livro que foi mesmo mais importante para seu autor do que para seus leitores. É nele que Hitler desenvolveu a visão que ele mais tarde materializaria. Ele era um revolucionário, um pensador pragmático e um estadista, todos em uma única pessoa - o que é, incidentemente, um fenômeno histórico raro.

Spiegel: Apesar de ter abandonado os estudos, Hitler alude a Schopenhauer e Goethe em seu livro. Ele o escreveu sozinho?

Hartmann: Ele provavelmente não teve qualquer ajuda direta, e aparentemente datilografou o manuscrito sozinho. Hitler tinha lido muito, a maioria de fontes secundárias. Ele tinha poucas idéias originais; sua originalidade está no modo de combinar o que ele selecionava de sua leitura, da efervescência dos séculos XIX e XX.

Spiegel: No final da Segunda Guerra, o livro havia vendido 12 milhões de cópias. Casais recebiam uma cópia gratuitamente quando casavam. Mas quantas pessoas realmente o leram?

Hartmann: Esta pergunta é discutida até hoje. A velha geração de historiadores é mais céptica neste ponto, enquanto pesquisas mais recentes tentam provar que as pessoas realmente o consumiram, através de números de vendas e empréstimos de bibliotecas. Eu não acredito nisso. Qualquer pessoa que o folheie percebe o quão pesado e tedioso ele é. O leitor médio dificilmente passa das 30 páginas.

Spiegel: Ideólogos líderes no partido nazista, tais como Alfred Rosenberg e Joseph Goebbels, não se interessaram tanto pelo "Mein Kampf", segundo seus próprios diários. Por que, então, o livro é considerado ter tido um papel fundamental para o partido?

Hartmann: No começo, os principais líderes no partido nazista tinham idéias diferentes do que significava o Nacional Socialismo. No final, foi Hitler que prevaleceu. E este livro contém seu programa, mais ou menos formulado abertamente. Não foi por nada que o Primeiro-Ministro Winston Churchill mais tarde disse que este livro, mais do que qualquer outro, merecia ser estudado com cuidado pelos políticos aliados e líderes militares após Hitler assumir o poder.

Spiegel: O livro foi também traduzido para outras línguas a partir de 1933. Qual foi seu impacto no estrangeiro?

Hartmann: Limitado. Os nazistas também alteraram essas edições. Por exemplo, ataques contra o grande arquinimigo da Alemanha foram diminuídos na versão francesa do livro.

Spiegel: Além da sua edição acadêmica do "Mein Kampf", há também planos de ensinar livro nas escolas. Isto imediatamente provocou protestos da associação de professores na Bavária, que dizem que é como tentar proteger as crianças do alcoolismo permitindo-lhes que experimentem bebidas alcoólicas. O senhor compartilha dessa idéia?

Hartmann: Ele é um documento-chave do Nacional Socialismo e, a partir dele, qualquer um pode aprender as distorções e mentiras que Hitler usava. Lidar com esta história tem sido rotina nas escolas alemãs por anos. O "Mein Kampf" não vai virar de cabeça para baixo a educação.


http://www.spiegel.de/international/germany/german-historian-discusses-new-scholarly-edition-of-hitler-s-mein-kampf-a-834560.html

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