quarta-feira, 9 de maio de 2012

[POL] Um ditador que atrai Dezenas de Milhares na Itália

New York Times, 2/11/11


O código de vestimenta era rigorosamente negro. Os cantos nostalgicos, uma mistura de altruísmo fascista temperado com gritos de "Duce, Duce, Duce" que era repentinamente silenciado quando a parada espalhada entrava no cemitério, nesta cidade central italiana no último mês, para chegar em sua meca: a tumba do falecido ditador fascista, Benito Mussolini.

"Por que, por que você vem aqui, quem é este homem Mussolini?" perguntou o celebrador, Giulio Tam, um padre tradicionalista católico.

"Viemos agradecer este homem pelas mais originais, mais européias, mais mediterrâneas idéias," respondeu Padre Tam, uma figura familiar nos círculos da direita, antes de começar a recitar o rosário.

Assim acontece em Pedappio, três vezes ao ano, para comemorar o dia do nascimento de Mussolini (em 29 de julho de 1883, numa casa não muito longe do cemitério), sua morte (nas mãos de guerrilheiros em 28 de abril de 1945) e a conhecida Marcha para Roma, que levou o partido de Mussolini ao poder na Itália em outubro de 1922.

"Tenho vindo aqui, pelo menos uma ou duas vezes ao ano, desde 31 de agosto de 1957, o dia que eles trouxeram o corpo do Duce aqui," disse Marcello, um veterano bem apessoado de 85 anos que pediu que seu sobrenome não fosse revelado. "Minha fé nele continua intacta."

Eles vieram em ônibus, de Turim até Palermo, numa peregrinação de fãs.

"Como os cristãos indo à catedral de São Pedro, exceto que aqui alguns usam o barrete turco," disse Gianni, um homem de Turin, do chapéu de feltro preto em forma de tronco de cone que se tornou parte do uniforme dos camisas negras fascistas vestidos aqui por um punhado de jovens meticulosamente preparados. "Mas não somos anacrônicos; temos cartão de crédito. Não queremos voltar ao passado, mas também não queremos negá-lo também."

Ainda há outros que vieram celebrar uma época na qual eles acreditam que a Itália, ao contrário de hoje, representava alguma coisa no mundo. "A Itália precisa de uma mudança significativa, estamos nas mãos de políticos mentirosos," disse Enrico Cozzani, o proprietário de uma empresa de segurança localizada em Lucca. "Somos a piada da Europa."

Angelo Aquilani, o coordenador para a Itália Central da Nuova Destra Sociale, um grupo de direita localizado em Florença, foi mais sucinto. "Amamos o Duce," ele disse. "Ele é nossa fé."

Tal veneração pesou nos líderes italianos em 1945. Após Mussolini ter sido morto, uma decisão foi tomada para esconder seu túmulo, mais ou menos como os militares do Conselho de Transição Nacional fizeram em relação ao corpo de Qaddafi e como os comandos americanos fizeram com o corpo de Osama Bin Laden, para evitar a criação de um santuário para seus apoiadores.

Após o corpo de Mussolini ter sido pendurado em ganchos de açougue em 29 de abril de 1945, em Piazzale Loreto em Milão, onde cidadãos descarregaram sua fúria contra seu antigo líder, ele foi enterrado numa tumba sem nome num cemitério próximo. Um ano depois, seguidores neo-fascistas escavaram seu corpo e o esconderam em um convento na Lombardia até 1957, quando os restos foram devolvidos à viúva de Mussolini, que os enterrou na cripta da família em Predappio.



De fato, os esforços das autoridades italianas em esconder o túmulo se voltaram contra eles, já que o local rapidamente se tornou um assunto de grande interesse. "A vitalidade da vida de Mussolini no outro mundo foi grande enquanto o mausoléu não existia. Um corpo que não está em nenhum lugar está em todo lugar," disse Sergio Luzzatto, um historiador da Universidade de Turin que escreveu O Corpo do Duce, sobre as vicissitudes do defunto. O documentário "Il Corpo del Duce" inspirado pelo livro, será visto no Festival de Filme de Turin este mês.

"Os italianos viveram a ausência do corpo como uma presença, assim continuando a estória de amor entre os italianos e seu líder, que foi muito de carne e osso em muitos sentidos," disse o Sr. Luzzatto. Aquela estória terminou quando o corpo foi devolvido à família e "se tornou fixo e sepulcral," primeiramente no livro de visitas da tumba, onde os visitantes podem assinar e deixar comentários.

Estes livros estão agora arquivados numa sala no andar superior da Casa de Memórias, o museu de relíquias do Duce aberto em 2001 por Domenico Morosini, um comerciante bem sucedido da Lombardia, onde foi uma vez a casa de verão de Mussolini. Os registros são arquivados sob um uma inscrição que o Sr. Morosini disse ser uma citação de Mussolini: "Não é impossível governar os italianos, apenas inútil."

O museu recebe entre 2.000 e 3.000 pessoas por ano e pode atrair mais, mas o Sr. Morosini acha que é difícil promovê-lo. Placas rodoviárias para o museu "constantemente são retiradas por esquerdistas," ele disse.

Na rua principal de Predappio, um punhado de lojas negociam relíquias fascistas, como a loja Predappio Tricolore, que vende tudo desde bastões até calendários de Mussolini. Os calendários são também distribuídos em bancas, "onde eles vendem melhor calendários eróticos," disse um lojista, Pierluigi Pompignoli, fazendo uma saudação fascista para um grupo de visitantes alemães que responderam, "Sieg Heil."

A tumba de Mussolini recebe entre 80.000 e 100.000 visitantes por ano, com picos durante as três comemorações, que nos anos recentes foram comandadas pelo Padre Tam. No domingo, durante o recital de rosário intercalado com comentários, ele advertiu contra a iminente invasão islâmica da Europa e "modismos da juventude americana" como o casamento gay.
 
"Mussolini estava certo; ele estaria chorando em sua tumba se visse a Itália reduzida a isto," disse Padre Tam (apesar do casamento gay ser ainda ilegal na Itália). "Somos orgulhosos dos Cruzados," ele disse, atraindo aclamação entusiasmada e aplausos da multidão.

Este é justamente o tipo de turismo que o prfeito de centro-esquerda de Predappio, Giorgio Frassineti, queria evitar.

"Recusamos a visão da Predappio dos poucos, das pessoas que freqüentam as comemorações, mas também dos da extrema esquerda que querem apagar sua história, disse o Sr. Frassineti. "Estas pessoas apenas mantém um outro tipo de turismo em geral."

http://www.nytimes.com/2011/11/03/world/europe/tourists-still-drawn-to-tomb-of-mussolini-il-duce-in-italy.html?_r=2

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